Em 1990, o Metallica tinha nove anos de carreira, quatro álbuns de estúdio na discografia e era um dos nomes mais importantes do thrash metal, ao lado de Megadeth, Slayer e Anthrax. Seu quarto álbum ...And Justice For All (1988), foi muito bem comercialmente, assim como a turnê promocional daquele álbum.
No entanto, a quarteto americano queria mais. Sentia a necessidade de ir além do nicho alternativo ao qual pertencia. Além disso, a banda se mostrava entediada com as músicas longas e arranjos complexos dos discos anteriores, muito complicadas para serem executados nos shows ao vivo. O Metallica queria ampliar os seus horizontes, ampliar a sua base de fãs.
Em meados de 1990, o guitarrista e vocalista James Hetfield, e o baterista Lars Urich, começaram a compor novas músicas para o quinto álbum de estúdio, e contaram com a contribuição do guitarrista solo Kirk Hammett e do baixista Jason Newsted. Os membros do Metallica entendiam que o novo álbum deveria ser o melhor da carreira deles até quele momento, capaz de atrair o público de outras esferas do rock pesado o público de bandas Guns N’ Roses, Mötley Crue e Bon Jovi.
Após ouvirem o álbum Dr. Feelgood, do Mötley Crue, e Sonic Temple, do The Cult, os integrantes do Metallica convidaram o produtor Bob Rock para cuidar da mixagem do novo álbum da banda. Eles ficaram impressionados com a qualidade do som daqueles discos, e decidiram contratá-lo. Bob Rock aceitou o convite, mas ao ouvir os álbuns de estúdio do Metallica e assistir os shows ao vivo da banda, o experiente produtor percebeu que muito do potencial sonoro do quarteto americano em cima do palco não foi capturado pelos discos estúdios do grupo.
O Metallica estava disposto a buscar coisas, ir além das músicas longas e de arranjos complexos, como as presentes no álbum ...And Justice For All, de 1988. |
Foi então que Rock convenceu a banda a contratá-lo para produzir o disco, fazer um trabalho por completo. A banda topou a proposta do produtor, afinal, ela tinha um objetivo ambicioso a atingir, e ter um grande produtor que já havia trabalhado com estrelas do mainstream do rock pesado era essencial. O mais irônico nessa história é que o Metallica teria um álbum produzido por um profissional que já havia trabalhado em discos do Bon Jovi, banda que até pouco antes, os membros do Metallica execravam. Bob Rock trabalhou como engenheiro de som em dois álbuns do Bon Jovi, Slippery When Wet (1987) e New Jersey (1988).
A convivência do Metallica com Bob Rock não foi as mil maravilhas. A maneira disciplinada e exigente de Bob Rock trabalhar criou momentos tensos entre a banda e o produtor. O grupo chegou a jurar que nunca mais trabalharia com Bob Rock. Com Bob, James Hetfield trabalhou as harmonizações vocais, enquanto que Lars Urich praticamente teve que “reaprender” a tocar bateria. Por outro lado, Bob Rock deu mais atenção ao baixo de Jason Newsted, que no álbum anterior foi ignorado. No novo álbum, o volume do baixo ficou mais alto, mais destacado. As gravações do novo álbum ocorreram nos estúdios One On One, em Los Angeles, nos Estados Unidos. Foi um período relativamente longo, entre outubro de 1990 e junho de 1991, a um custo total de 1 milhão de dólares. James Hetfiled e Lars Urich, acumularam funções assuminto o posto de co-produtores.
Intitulado apenas como Metallica, mas popularizado como “black album”, o quinto álbum da banda americana representou a grande busca por transformação que seus membros almejavam. Metallica, o álbum, não só significou uma virada na orientação musical do quarteto, mas também na carreira da banda. A sonoridade do álbum ganhou em qualidade, em polidez e em peso. Por outro lado, para tornar o trabalho do Metallica mais “palatável” para o grande público que a banda pretendia atingir, o quarteto desacelerou o ritmo e tornou os vocais um pouco mais melódicos, alterações que foram bastante percebidas e, principalmente, criticadas pelos fãs mais “ortodoxos”. Um outro aspecto importante de Metallica é fato do álbum tocar em assuntos pessoais, mais especificamente nos de James Hetfield. O álbum traz canções sobre a morte da mãe de Hetfield e sobre a falta que o músico sentia da namorada durante as turnês.
Outro elemento que chamou a atenção em Metallica foi a capa. Ao invés de apelar para imagens de monstros, paisagens sombrias e aterrorizantes tão comuns em capas de discos de bandas de heavy metal, os membros do Metallica optaram por algo mais minimalista: uma capa toda preta, com a aparição bem sutil da logo do grupo no canto superior esquerdo e de uma cobra no canto inferior direito. Os dois elementos figurativos pouco visíveis num fundo todo preto, acabou motivando o álbum a ser chamado popularmente de “black album”.
Metallica, o álbum, abre em grande estilo com “Enter Sandman” e o seu riff de guitarra arrasador executado por Kirk Hammett. A faixa pesada, agressiva, mas cuidadosamente lapidada para ser radiofônica e com capacidade para cativar multidões em grandes estádios e arenas. A letra foi inspirada numa lenda do folclore europeu que dá nome à música, uma criatura que costuma visitar as crianças à noite para derramar grãos de areia nos olhos delas para que elas tenham bons sonhos. Mas na música do Metallica, o personagem ganha ares sombrios, soturnos. O videoclipe da “Enter Sandman” reproduz essa sensação sombria, e se tornou um grande sucesso assim como a própria música.
Lars Urich, o produtor Bob Rock e James Hetfield, na época das gravações do álbum Metallica. |
Embora tão pesada quanto “Enter Sandmn”, a faixa seguinte, “Sad But True”, segue numa linha rítmica mais desacelerada, arrastada. A letra versa sobre conflitos internos do indivíduo, onde em algumas situações, o lado mais obscuro desse indivíduo tenta assumir o controle de sua personalidade. Seria como se a voz interior desse indivíduo fosse quem de fato ele é, e que a imagem externa dele fosse apenas uma “máscara” que oculta a sua real personalidade.
“Holier Than Thou” é pesada e bastante veloz, e faz lembrar o Metallica dos discos anteriores. É uma música que fica na fronteira entre o hard rock e o heavy metal. Merecem destaque a bateria de Lars Urich e o baixo de Jason Newsted. A letra trata sobre aquele tipo de pessoa que julga os outros, que se acha acima do bem e do mal.
Na sequência, a balada “The Unforgiven”, uma das principais faixas do álbum e um dos maiores sucessos da carreira do Metallica. A música começa com uma introdução inspirada em trilhas sonoras de filmes de faroeste compostos por Ennio Morricone nos anos 1960. “The Unforgiven” é linda, melódica e agradável, é uma das grandes baladas do heavy metal. Embora seja uma balada, não se trata de uma canção de amor. Os versos se referem alguém que travava uma batalha contra aqueles que tentam subjuga-lo, diminuí-lo. É uma luta que esse indivíduo leva para toda a sua vida, muitas vezes vendo os seus desejos e sonhos sendo sacrificados por aqueles que se julgam superiores a ele.
“Wherever I May Roam” é sobre a vida de uma banda de rock na estrada, em turnês mundo a fora. A música começa com um inusitado som de cítara indiana que cria um clima musical oriental, mas que logo cede lugar ao ritmo do heavy metal, num andamento lento. Aqui, foram trabalhadas as harmonizações vocais de James Hetfield, enquanto que Hammett caprichou em solos de guitarras cheios de efeitos de pedais wah-wah.
O ritmo de marcha anuncia a faixa “Don’t Tread On Me”, uma música cujo título é na verdade o lema da bandeira de Gadsden, usada nas batalhas da Revolução Americana, entre 1775 e 1783. Na citada bandeira aparece uma cobra e a frase “Dont tread on me” (“Não pise em mim”). A curiosidade é que essa mesma cobra aparece na capa do álbum. O verso “give me liberty or give me death!” (“Dê-me liberdade ou dê-me a morte!”) presente em “Don’t Tred On Me” é atribuída a Patrick Henry (1736-1799), um político e advogado americano defensor da independência dos Estados Unidos e do republicanismo. Em seguida, “Through The Never” é uma música pesada, mas que em alguns momentos alterna o ritmo do seu andamento, ora veloz, ora lento.
Metallica em 1991, da esquerda para a direita: Kirk Hammett, Lars Ulrich, James Herfield e Jason Newsted. |
“Nothing Else Matters” é outra balada presente no álbum, e desta vez trata-se de uma canção de amor. Hetfield escreveu a letra da canção quando estava em turnê com o Metallica, e nela, o vocalista expressa a saudade que sentia da sua namorada. A princípio, Hetfield não queria que a banda gravasse, achou que seus companheiros não iriam gostar da canção. Porém, a reação deles foi inversa: não só gostaram como convenceram Hetfield para que a banda gravasse. Na gravação, “Nothing Else Matters” recebeu todo um cuidado especial, como um arranjo de orquestração feito pelo maestro e arranjador Michael Kamen (1948-2003) que deu um toque refinado à canção.
Depois da sensível “Nothing Else Matters”, o Metallica volta à carga pesada com “Of Wolf And Man” e o seu ritmo cavalgado e pesado, com direito a solos alucinantes de guitarra de Hammett. Escrita por James Hetfield, “The God That Failed” toca num assunto delicado para o vocalista do Metallica que é a morte de sua mãe, Cynthia Bassett. Ela sofria de câncer, mas por convicções religiosas, recusou-se a passar por tratamento e acabou falecendo em 1979, quando James Hetfield era um adolescente de 16 anos. A letra é dura e direta, é uma espécie de desabafo de Hetfield, um misto de raiva e ressentimento dele com religião.
“My Friend Of Misery” teve uma interessante colaboração do baixista Jason Newsted, que faz um interessante dedilhado de baixo na introdução. A música originalmente seria instrumental, mas logo ganhou letra que versa sobre vitimismo, sobre pessoas que se julgam vítima de tudo e de todos, como se o mundo estivesse contra elas. O álbum encerra com “The Struggle Within”, música que tem ritmo marcial na sua introdução, mas que depois segue em louca disparada.
O lançamento do álbum Metallica ocorreu em 12 de agosto de 1991. A espera pelo novo álbum da banda foi tão aguardada que algumas lojas de discos nos Estados Unidos abriram após a meia-noite do dia do lançamento para atender os primeiros compradores. Longas filas de fãs se formaram em frente a essas lojas ansiosos para comprar o disco novo do Metallica.
Chamado popularmente de “black álbum”, Metallica teve uma recepção positiva por grande parte da imprensa musical. E o mais surpreende é que essas críticas positivas vieram de publicações de fora do universo do heavy metal como a Rolling Stone, Village Voice e New York Times. À medida que o álbum foi fazendo sucesso, a banda Metallica estampava capas de publicações como Melody Maker, NME, Q e Time Out, o que mostrava que a popularidade da banda havia ultrapassado as fronteiras do thrash metal e havia alcançado o tão sonhado mainstream.
Impulsionado pelo sucesso das faixas “Enter Sandman”, “The “Unforgiven”, “Nothing Else Matters” e “Sad But True”, o desempenho comercial de Metallica foi fantástico. Logo que foi lançado, o álbum foi direto para 1º lugar nos Estados Unidos e Reino Unido. O álbum foi também 1º lugar no Canadá, Austrália, Nova Zelânda e Noruega. Para se ter uma ideia da turnê do álbum, no verão de 1993, o disco já havia vendido 7 milhões de cópias nos Estados Unidos e mais 5 milhões no resto do mundo. Ao longo tempo, Metallica chegou à marca de 16 milhões de cópias vendidas nos Estados, e mundialmente, vendeu mais de 40 milhões de cópias vendidas, tornando Metallica o álbum de heavy metal mais vendido em todos os tempos.
Metallica no Festival Mosters of Rock, em Moscou, Rússia, em setembro de 1991, tocando para um público estimado em 1,6 milhão de pessoas. |
Para consolidar o sucesso de público e de crítica com o seu quinto álbum, o Metallica recebeu em 1992, o prêmio Grammy de “Melhor Performance de Heavy Metal”. No mesmo ano, o videoclipe de “Enter Sandman” o troféu do MTV Video Music Awards na categoria “Melhor Vídeo de Rock”.
Ainda em 1992, em maio, numa entrevista coletiva para a imprensa, o baterista do Metallica, Lars Ulrich, e o guitarrista do Guns N’ Roses, Slash, anunciaram uma turnê que as duas bandas fariam juntas. A notícia gerou grande alvoroço no público do rock pesado já que enquanto Metallica desfruta o gosto da fama com o “black album”, e o Guns N’ Roses estava no auge do sucesso com os recém lançados álbuns duplos Use Your Illusion I e Use Your Illusion II. Passando por cidades dos Estados Unidos e Canadá, a bem sucedida turnê conjunta começou em julho e terminou em outubro de 1992. Na turnê, ocorreram os costumeiros ataques de megalomania de Axel Rose e um acidente com James Hetfield, que sofreu queimaduras de segundo e terceiro graus durante a abertura de “Fade To Black”, após uma falha de efeito de pirotecnia no palco. Enquanto se recuperava do acidente, Hetfield foi substituído no resto da turnê pelo roadie do Metallica e guitarrista da banda Metal Church, John Marshall.
Além dessa turnê conjunta com o Guns N’ Roses, o Metallica seguiu também em turnê solo e em escala mundial para promover o “black album”, que passou por América do Norte, América do Sul, países da Ásia e Oceania. A turnê mundial se encerrou em julho de 1993.
O sucesso de público e de crítica alcançado pelo seu “black album”, catapultou o Metallica para o mainstream da música mundial. Se por um lado o sucesso estrondoso do álbum gerou críticas duras dos fãs mais radicais da banda que a acusaram de “vendida”, por outro serviu de porta de entrada para que novos fãs conhecessem o Metallica e a sua obra. E não apenas isso, ajudou ao próprio heavy metal a ter mais visibilidade e ampliar o seu público.
Faixas
1. "Enter Sandman" (Hetfield – Ulrich - Hammett)
2. "Sad but True" (Hetfield – Ulrich)
3. "Holier Than Thou" (Hetfield – Ulrich)
4. "The Unforgiven" (Hetfield – Ulrich - Hammett)
5. "Wherever I May Roam" (Hetfield – Ulrich)
6. "Don't Tread on Me" (Hetfield – Ulrich)
7. "Through the Never" (Hetfield – Ulrich - Hammett)
8. "Nothing Else Matters" (Hetfield – Ulrich)
9. "Of Wolf and Man" (Hetfield – Ulrich - Hammett)
10. "The God That Failed" (Hetfield – Ulrich)
11. "My Friend of Misery" (Newsted – Hetfield – Ulrich)
12. "The Struggle Within" (Hetfield – Ulrich)
Metallica: James Hetfield (vocal, guitarra rítmica, violão, sitar, solo de guitarra em "Nothing Else Matters" e co-produção), Kirk Hammett (guitarra solo), Jason Newsted (baixo) e Lars Ulrich (bateria, percussão e co-produção).
Produção: Bob Rock
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