Amy Winehouse surgiu como um grato sopro de novidade na música pop no começo dos anos 2000. Naquele momento, Britney Spears e Christina Aguilera eram o modelo padrão de cantora jovem de sucesso no cenário pop da época. Com seu álbum de estreia, Frank, lançado em 2003, Amy nadava contra a corrente do padrão pop feminino da época ao resgatar o som da Motown, o R&B dos anos 1960, o jazz, mas com uma roupagem musical contemporânea. Toda essa bagagem musical era uma herança que ela herdou de sua família, que gostava de jazz, soul e R&B antigos. A cantora inglesa, então com 20 anos, logo virou uma grande sensação. Seu primeiro álbum, Frank, alcançou o 13º lugar da parada britânica de álbuns, vendeu mais de 3 milhões de cópias. Amy foi agraciada em 2005 com o troféu Ivor Novelle Awards na categoria “Melhor Canção Contemporânea” por “Stronger Than Me”, faixa do álbum Frank.
Passado o período de muita exposição proporcionado pelo sucesso do álbum Frank, Amy Winehouse mergulha num período de profundo “bloqueio criativo”, sem conseguir compor nada de novo e interessante. Por volta de 2005, a jovem cantora conheceu Blake Fielder-Civil, que apesar de ser comprometido com outra mulher na época, começa um relacionamento com Amy. O romance dos dois se mostra conturbado, cheio de escândalos, brigas, agressões físicas e verbais. Como se tudo isso não bastasse, foi Blake quem apresentou a heroína a Amy Winehouse, que já tinha problemas com álcool. Para tentar superar o vício em álcool e drogas de Amy, sua família tenta interná-la numa clínica de reabilitação, mas logo a cantora abandona o tratamento.
Amy Winehouse no início da carreira. |
Em novembro de 2005, Amy Winehouse inicia o processo de produção do seu segundo álbum. Para o novo trabalho, Amy estava decidida a fazer algo diferente, distante do apelo jazzístico do primeiro Frank. Para o novo álbum, ela queria um trabalho voltado para a sonoridade da Motown, o soul e o R&B dos anos 1960, mas mantendo um frescor contemporâneo. A princípio, Salaam Remi, produtor de Frank, iria produzir sozinho o segundo álbum de Amy, mas a gravadora indicou o jovem produtor Mark Ronson para trabalharem juntos. A gravação do novo álbum ocorreu em diferentes estúdios, entre Miami, Nova York e Londres.
Para que o novo álbum saísse do jeito que Amy havia pensado, foi contratada a The Dap-Kings, a banda de acompanhamento da cantora veterana Sharon Jones (1956-2016), que conquistou reconhecimento após os 40 anos gravando álbuns inspirados na soul music e R&B dos anos 1960, mas com um “verniz” moderno. Amy tinha uma profunda admiração pelo trabalho de Sharon Jones. Procurando dar uma sonoridade que remetesse ao soul clássico dos anos 1960, os produtores chegaram a usar equipamentos valvulados. Amy por sua vez, buscou inspiração visual e musical em artistas femininas dos anos 1960 como a cantora Shirley Bassey e girl groups daquela década como The Shangri-Las, The Shirelles e The Ronettes.
Uma pequena amostra do novo álbum foi lançada em 23 de outubro de 2006: era o single de “Rehab”. Primeiro single do novo álbum, “Rehab” carrega nos seus arranjos a proposta musical que Amy Winehouse almejava, um som com referências da soul music e do R&B dos anos 1960, porém com uma leitura mais contemporânea. A letra é uma crítica da cantora àqueles que tentaram interna-la numa clínica de reabilitação devido ao seu vício em bebida alcoólica: “I ain't got the time / And if my daddy thinks I'm fine / He's tried to make me go to rehab / But I won't go, go, go”. (“Eu não tenho tempo / E mesmo meu pai pensando que eu estou bem / Ele tentou me mandar pra reabilitação / Mas eu não vou, vou, vou”). Na parada britânica de singles, “Rehab” foi do 19º lugar para o 7º lugar. Nos Estados Unidos, foi 9º lugar na Billboard Hot 100.
Sharon Jones & The Dap-Kings. |
Em 27 de outubro, Back To Black, segundo álbum da carreira de Amy Winehouse chega às lojas. Assim como expressou a canção “Rehab”, lançada anteriormente como single, o álbum Back To Black era o reflexo do momento conturbado da vida particular de Amy, como o romance turbulento da cantora com Blake e o vício em álcool e drogas. Tudo isso estava presente nas letras das canções de Back To Black como na já citada “Rehab”, lançada como single e presente no álbum como primeira faixa na qual ela recusa o tratamento na clínica de recuperação. Acredita que tem mais o que fazer, preferindo ficar em casa ouvindo Ray Charles e Donny Hathaway, dois gigantes da soul music: “I'd rather be at home with Ray / I ain't got seventy days / 'Cause there's nothing / There's nothing you can teach me / That I can't learn from Mr. Hathaway…” (“Prefiro ficar em casa com Ray / Não posso ficar setenta dias internada / Por que não há nada / Não há nada que você possa me ensinar / Que eu não possa aprender com o Sr. Hathaway...”).
A segunda faixa é “You Know I’m No Good”, que traz uma batida rítmica inspirada em “Tramp”, sucesso de Otis Redding e Carla Thomas, de 1967, só que com um vigor mais contemporâneo aproximando-se do hip hop. O assunto central da música é a infidelidade que Amy estava sofrendo por parte de Blake Fielder-Civil. Em “Me &Mr. Jones”, Amy incorpora o espírito das grandes divas do jazz. A canção fala de traição, e Amy demonstra ressentimento no cantar, mas ao mesmo se mostra apaixonada.
The Shangri-Las, Shirley Bassey e The Ronettes: referências estético-musicais para Amy Winehouse. |
“Just Friends” surpreende pelo seu ritmo que remete aos primórdios do reggae lá na década de 1960. A faixa trata de um romance que acabou, mas que guardaria um fio de esperança por uma volta. “Back To Black”, faixa que dá nome ao álbum, trata de mágoa e sofrimento. Os arranjos com clima sombrio reforçam a ideia de alguém que sofreu tantas vezes e que agora está com o coração em luto: “I died a hundred times / You go back to her / And I go back to I go back to us” (“Eu morri uma centena de vezes / Você volta para ela / E eu volto / Eu volto para nós”).
Com uma base instrumental calma e bonita, “Love Is A Losing Game” é mais outra canção do álbum que retrata o romance conturbado de Amy e Blake para o qual ela se entregou de corpo e alma. Como trata a canção em sua letra, o romance de Amy com Blake foi como um “jogo de azar”, que trouxe para a cantora mais perdas do que ganhos.
“Tears Dry On Their Own”, segundo a própria Amy, é sobre o rompimento da sua relação com Blake Fielder-Civil após descobrir que ele tinha outra pessoa. Ao contrário da outras canções do álbum que tratam sobre fim de relacionamento, nesta música Amy se mostra mais confiante, dona de si, capaz de tocar a vida em frente sem se tornar refém de um antigo amor. Talvez pelo próprio conteúdo da letra, o ritmo de “Tears Dry On Their Own” é mais alegre, positivo.
Amy Winehouse. |
“Wake Up Alone” é uma balada soul bem ao estilo das vocalizações doo-wop dos anos 1950, fala sobre solidão e saudade. Em “Some Unholy War”, Amy demonstra todo o seu amor incondicional: “If my man was fighting / Some unholy war / I would be behind him / Straight shook up beside him” (“Se meu homem estivesse lutando / Em alguma guerra profana / Eu estaria atrás dele / Firme bem ao lado dele”). A faixa seguinte, “He Can Only Hold Her” tem um ritmo soul bem ao estilo do som clássico da Motown anos 1960, com vocais de apoio incríveis, merecendo destaque para o baixo e a bateria que dão uma levada dançante para a faixa. Fechando o álbum, “Addicted”, uma canção onde Amy fala sobre seu vício em maconha.
A recepção da crítica a Back To Black foi positiva. Os críticos destacaram o afastamento de Amy Winehouse do jazz e a sua aproximação ao soul e ao R&B produzidos nos anos 1960. O álbum se torna rapidamente um sucesso comercial em todo o mundo, puxado pelo hit “Rehab”, primeira música de trabalho de Back To Black. Outras faixas do álbum geraram singles e se tornaram grandes sucessos como “You Know I’m No Good”, “Love Is A Losing Game”, “Tears Dry On Their Own” e a faixa título.
Back To Black alcançou o 1º lugar na parada da Billboard 200, nos Estados Unidos. Foi também 1º lugar na parada de álbuns do Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Espanha, 2º lugar no Brasil e 4º lugar no Canadá. Em 2007, foi o álbum mais vendido em todo o mundo, alcançando a marca de 6 milhões de cópias vendidas.
O sucesso de Back To Black não só levou Amy Winehouse a se tornar uma grande estrela da música pop mundial, como também a conquistar uma série de prêmios promovidos pela indústria fonográfica. Na 50ª edição dos Grammy Awards, em 2008, Amy foi a grande vencedora ao conquistar cinco prêmios com Back To Black: “Gravação do Ano” (por “Rehab”), “Canção do Ano”(por “Rehab”), “Melhor Álbum Vocal Pop”, “Melhor Performance Vocal Pop Feminina” e “Artista Revelação”.
Amy e Blake: romance turbulento. |
Lamentavelmente, parece que atingir o ápice da fama não significou tranquilidade na vida de Amy Winehouse. Sua vida particular ia de mal a pior. O romance com Blake Fielder-Civil, com quem acabou se casando em maio de 2007, era movido a brigas, separações e reatamentos, álcool e drogas, tornando-se um prato cheio para os tabloides sensacionalistas. Amy deixou de ser manchete de jornais pela música que fazia, mas pelos vexames que dava. Seu quadro de saúde se agravava, os médicos temiam pela vida da cantora que se mostrava relutante aos tratamentos. Creditando a dependência química à má influência de Blake, o pai de Amy, Mitch Winehouse, exigiu que ele se divorciasse da filha, o que acabou acontecendo em 2009.
Em 2011, tentou retomar a carreira artística com apresentações ao vivo e participações em gravações de alguns artistas como no álbum Duets II, de Tony Bennett, com o qual gravou a canção “Body And Soul”. As apresentações ao vivo, com uma Amy esquálida e frágil revelaram-se desastrosas, o que levou a cantora a ceder ao tratamento do seu vício.
No entanto, após um período de abstinência, Amy teve uma recaída, voltou a beber exageradamente, vindo a falecer em 23 de julho de 2011, aos 27 anos. A música perdia uma cantora talentosíssima que certamente nos brindaria com outros grandes álbuns com sua voz e seu visual memoráveis, caso não tivesse morrido tão cedo. Back To Black acabou se tornando seu álbum de despedida, ainda que lançado cinco antes de sua morte.
O álbum, hoje uma das obras-primas da música pop deste começo de século XXI, deixou um grande legado, ao resgatar a soul music e o R&B dos anos 1960, mas dentro de uma olhar mais contemporâneo, chegando a contribuir com o surgimento de um nova tendência, denominada de neo soul. Amy Winehouse e seu Back To Black abriram caminho para outras cantoras britânicas Adele, Duffy e Dionne Bromfield dentro da linha soul music “retrô”. Na lista dos 500 Maiores Álbuns de Todo Os Tempos, da revista Rolling Stone, Back To Black figura em 451º lugar. Estima-se que Back To Black tenha vendido desde o seu lançamento pouco mais de 20 milhões de cópias.
Faixas
- “Rehab”
- “You Know I'm No Good”
- “Me & Mr. Jones”
- “Just Friends”
- “Back to Black” (Amy Winehouse - Mark Ronson)
- “Love Is a Losing Game”
- “Tears Dry on Their Own” (Winehouse - Nickolas Ashford - Valerie Simpson)
- “Wake Up Alone” (Winehouse - Paul O'Duffy)
- “Some Unholy War”
- “He Can Only Hold Her” (Winehouse - Richard Poindexter - Robert Poindexter)
- “Addicted”
Todas as faixas são de autoria de Amy Winehouse, exceto as indicadas.
“Rehab”
“You Know I'm No Good”
“Me & Mr. Jones”
“Just Friends”
“Back to Black”
“Love Is a Losing Game”
“Tears Dry on Their Own”
“Wake Up Alone”
“Some Unholy War”
“He Can Only Hold Her”
“Addicted”
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