segunda-feira, 29 de maio de 2023

Discografias Comentadas: Bon Jovi (Parte III)


Discografias Comentadas: Bon Jovi (Parte III)

 

Diogo Bizotto me deu a missão de concluir a discografia do Bon Jovi. Fiquei muito feliz com o pedido. Bon Jovi é um grupo que sempre admirei, é um grupo que cresci ouvindo. Descobri a banda pelos LPS New Jersey e Bon Jovi In Brazil (uma coletânea brasileira), isso ainda lá nos anos 80, durante minha infância. Desde então, venho acompanhando de perto cada lançamento que fazem. Obrigado, Diogo, pela oportunidade. Nessa terceira – e última – parte será abordado o período pós-Sambora. Fase que divide a opinião de seus admiradores mais antigos, mas que ainda possui bastante coisa bacana. Boa leitura!

Durante a tour de Because They Can, eis que surge uma bomba. O guitarrista Richie Sambora abandona a turnê sem grandes explicações. Houve muita especulação. A toda hora chegavam notícias, muitas vezes desencontradas. No início, diziam que estava dando um tempo e retornaria em breve. Depois, chegaram as notícias de que o talentoso guitarrista não retornaria mais. Houve quem dissesse que havia sido despedido por Jon Bon Jovi. Houve troca de farpas dignas de estamparem chamadas do Fofocalizando ou de algum programa da Sônia Abrão. As últimas novidades, em relação ao assunto, é de que o guitarrista se afastou por vontade própria para se dedicar à família, que enfrentava problemas. Independente do motivo, sua saída foi um baque para seus admiradores. Seus backings rasgados e sua pegada bluesy eram parte da assinatura da banda. E aí? Seria o grupo capaz de sobreviver sem uma figura tão marcante?

A situação era complexa. A turnê estava rolando. Vários shows já haviam sido vendidos. Não tinha como dar um tempo. Phil X foi escolhido para assumir o posto. Para o público, não havia nada muito esclarecido. Ninguém sabia se o rapaz estava ali apenas para cumprir as datas já agendadas ou se seria, de fato, o novo membro da banda. Tudo muito nebuloso. Muitos mantinham a esperança de que, em algum momento, Richie retornaria. Como se não bastasse toda essa confusão, Tico Torres teve uma crise de apendicite no meio da gira e também teve que se afastar de alguns shows (inclusive, aqui no Brasil). E para colocar uma pimentinha mais, a renovação do contrato com a Mercury não estava indo para frente. A banda e os executivos não conseguiam chegar a um acordo. De todo modo, a banda ainda devia mais um trabalho.

Antes do novo material chegar às lojas, o clássico New Jersey foi relançado em uma edição comemorativa. Conforme já esperado, diversos formatos chegaram às prateleiras. A mais completa trazia o álbum devidamente remasterizado, as demos do disco e um DVD com os home videos que haviam sido lançados em VHS, na época. Para os fãs, um prato cheio, sem dúvidas. E o tal novo álbum? Também colocaria um brilho nos olhos de seus admiradores? Vamos à ele…

 

Burning Bridges (2015)

Em suas entrevistas para promover o álbum, Jon Bon Jovi declarou: “são algumas músicas que não estavam terminadas, e agora estão. E também algumas novas”. Ele deu a dica e a situação estava mais do que clara. Esse não era um trabalho onde a banda cairia de cabeça, com uma estética bem definida. Esse era um disco para cumprir contrato. Ou melhor, para encerrar contrato. Dez músicas, poucas faixas realmente fortes e, mais do que isso, uma qualidade gráfica nula. Conhecido por sempre caprichar nos lançamentos, esse disco não tinha encarte nenhum. Uma folha frente e verso. Sem foto da banda, sem nomes dos músicos, nada. Aquele lance de “coloca logo no mercado, encerra essa história e bola pra frente”.

Sabendo dessa realidade, não dava para esperar um trabalho divisor de águas. Isso aqui era apenas um aperitivo. Não seria aqui que saberíamos como a banda iria soar sem a presença de Sambora. O álbum é predominado por baladas. Ainda que Jon Bon Jovi saiba escrever baladas como poucos (ele já nos provou isso em These Days), aqui a maior parte soa sem sal. “A Teardrop To The Sea” inicia o álbum de maneira enfadonha. O baixo pulsante fica apenas na marcação. A melodia não emociona. “We All Fall Down” já é mais bem resolvida, porém sem nenhuma inovação e sem um momento realmente marcante. “Blind Love” não vai pra frente. O destaque acaba sendo o trabalho vocal de Jon. Outra que ameaça ir, mas não sai do lugar é “Fingerprints”.

Os grandes destaques acabam ficando com os singles “We Don´t Run” – um rock de arena com uma roupagem mais contemporânea, uns vocalizes meio Coldplay, mas com uma boa melodia – e “Saturday Night Gave Me Sunday Morning”. Essa última, escrita em parceria com o antigo guitarrista. Na verdade, ela é uma sobra do The Circle que acabou sendo finalizada para esse trabalho. A faixa mais Bon Jovi de todas. No final do álbum, temos mais dois dois momentos dignos de nota com “Life Is Beautiful”, que remete um pouco aos tempos de Lost Highway nos trabalhos de violão e guitarra, e “I´m Your Man”, um rock n roll basicão que se não nos empolga da mesma forma que um “I´ll Sleep When I´m Dead, ao menos nos coloca um sorriso no rosto.

O álbum se encerra com a faixa-título com um clima meio salloon, deixando um ar de fim de festa. O  que, na realidade, é o que disco representa. A letra é uma provocação com o pessoal da Mercury. “Depois de 30 anos de lealdade, eles cavam sua cova. Vocês bem que poderiam aprender a cantar ou dedilhar. De todo modo, lhes darei metade dos direitos autorais. Vocês são a razão de ter escrito essa canção”. No refrão, também não esconde seu desgosto: “Adeus. Até logo, boa noite. Aqui está uma última canção para vocês venderem (…) Vocês podem tocar para seus amigos no inferno”. É, parece que a parceria não terminou com um clima muito agradável, não…

O disco, por não ser muito longo, acaba tendo uma audição ok. Aquela velha história… O álbum não te empolga, mas não causa raiva também. Contudo, um trabalho com um nível bem abaixo daquilo que vinham realizando. A banda sabia que não poderia errar em seu próximo álbum. Precisavam demonstrar que ainda tinham lenha para queimar e que a nova formação tinha luz própria. Seria uma espécie de prova de fogo. E assim foi…

 

This House Is Not 4 Sale (2016)

Esse trabalho marca o início de uma nova era. Além de ser o primeiro trabalho realizado em parceria com a Island, também marca o início de um novo lineup. Agora, não tinha mais volta. Richie Sambora estava definitivamente fora. Phil X e Hugh McDonald, baixista que os acompanhava em shows desde 1994, foram promovidos à integrantes oficiais. Quando ninguém dava mais nada para os caras, deram a volta por cima. This House Is Not 4 Sale é, provavelmente, seu trabalho mais forte desde Have a Nice Day.

Entretanto, é bom deixar algumas coisas esclarecidas. Quando saiu para promover o álbum, Jon Bon Jovi declarou que esse disco era “definitivamente, uma volta ao início”. Isso fez com que algumas pessoas esperassem um disco retomando à sonoridade hard dos anos 80. Isso não poderia estar mais distante. Eles continuam apostando na fórmula de rock de arena com melodias pop, algo que já vem explorando há um bom tempo. Diria que se você é um fã de Have a Nice Day ou The Circle, você tem grandes chances de curtir o disco. Se você espera o Bon Jovi dos anos 80 ou 90, esquece. Acredito que o depoimento de Jon tivesse mais a ver no modo de encarar a nova etapa, de começar algo que você não sabe o que vai acabar desenrolando, das novas parcerias, do que ao fato de recriar uma estética.

O CD inicia com a faixa-título trazendo uma linha de guitarra meia “Because We Can”, um refrão que fica na sua cabeça. Na letra, Jon dispara: “Essas 4 paredes tem história para contar”, ele se refere aos seus companheiros de banda. A canção fala sobre integridade. “Living In a Ghost Town” é outra faixa de destaque apostando naquele rock de arena com influências de U2. Poderia ter aparecido em um álbum como The Circle, facilmente. “Knockout” é bem bacaninha, mas funciona melhor nos shows do que no disco. Nessa, teria aumentado o volume das guitarras e da bateria para deixá-la mais impactante.

O Bon Jovi é uma banda que está sempre buscando renovar seu som, dialogar com a juventude e é isso que representa “Born Again Tomorrow”. O arranjo faz um mix entre o rock e o pop eletrônico, influência perceptível na construção de teclados e dos efeitos criados por trás do refrão. Embora no papel tal mistura possa parecer absurda, o resultado ficou bacana. Outro momento jovem do disco é a linha vocal do refrão de “Roller Coaster” que parece ter saído de alguma velha canção da Taylor Swift.

“God Bless This Mess” me lembra um pouco a faixa-título. A canção não é ruim, mas não teria incluído por ter o mesmo tipo de construção. “The Devils In The Temple” é a mais pesada do álbum. A letra volta a falar dos problemas que tiveram com sua antiga gravadora. Os licks de guitarra, no início da música, tem um q de Zeppelin. Certamente, um dos grandes momentos desse trabalho.

Se no álbum anterior, a banda havia ficado a dever nas baladas, aqui voltam a acertar a mão. “Labour of Love” traz um clima mais sombrio. O efeito de guitarra me remeteu um pouco aquele velho hit de Chris Isaak, “Wicked Game”. Entretanto, as grandes baladas do disco são “Reunion” e, principalmente, “Come On Up To Our House”. Em outra época, essas 2 iriam para o topo das paradas. Comprei o CD assim que saiu, acabei pegando a versão deluxe norte-americana. O disquinho trazia 3 bônus: “We Don´t Run” (de seu álbum anterior), a fraca balada “Real Love” e a boa “All Hail The King”. Depois de tanta bola fora, foi bacana ver os caras voltarem ao topo.

 

 

No finalzinho de 2016, o Bon Jovi lançou o álbum This House Is Not 4 Sale – Live From The London Palladium. Não se trata de um registro da turnê, mas sim dos músicos executando o álbum na íntegra. O disco é bom. Está bem tocado, bem gravado. Contudo, é um trabalho dispensável. Por mais que eu goste do disco, não se trata de um álbum clássico dos rapazes, nem de um trabalho que figura entre os favoritos dos fãs. Não sei se isso teve alguma coisa a ver com a briga com a Mercury (afinal, a Mercury detém direito em cima da obra), mas a verdade é que a banda continua a dever um registro ao vivo digno para seus fãs.

 

2020 (2020)

Quatro anos se passaram e eis que surge a notícia de que teríamos mais um CD do Bon Jovi chegando por aí. O álbum que seria lançado inicialmente em Maio acabou adiado por 5 meses. Jon aproveitou esse meio tempo para mexer no disco. Substituiu 2 canções, alterou a ordem das faixas, deu uma atualizada… O novo trabalho não traz muitas novidades nos arranjos. O grande diferencial está no conteúdo das letras. Dessa vez, mais politizadas.

Uma das canções que deixa isso explícito é “American Reckoning”. A letra fala sobre o assassinato de George Floyd. “Aqueles malditos 8 longos minutos, deitado algemado com o rosto colado no chão. Espectadores gritavam por misericórdia. Desde quando o tribunal se tornou um distintivo e um joelho nas ruas?”. O arranjo da música é bem denso marcado por um sutil dedilhado de guitarra, uma levada arrastada e Jon cantando em uma região bem grave, cantando com calma cada sílaba da canção, como se pretendesse fazer com que a mensagem chegasse da maneira mais clara possível aos ouvintes. 

Aliás, se existe algo que mudou em relação à sonoridade foi justamente o trabalho vocal de Jon Bon Jovi. Quem acompanha a banda de perto, sabe que já tem um tempo que ele tem encontrado dificuldade para cantar as notas altas nos shows. Talvez pensando nisso, ele criou linhas vocais em uma região mais confortável, está cantando mais para baixo. Outra coisa que tenho notado é que, cada vez mais, os discos tem apresentado menos e menos solos de guitarra. Algo que lamento profundamente, diga-se de passagem. Nos momentos em que se arrisca, Phil X se sai bem. Tanto o solo de “Story of Love”, quanto o de “Blood In The Water” são solos bonitos e bem resolvidos. “Blood In The Water”, aliás, é outra que se destaca pela mensagem embutida. Trata aqui sobre a angustia dos imigrantes que são deportados dos EUA.

“Do What You Can” aposta naquele pop/rock com influências de country, bem na linha Lost Highway, enquanto “Limitless” traz aquele rock de arena com bateria marcando surdo e caixa e uns vocalizes meio U2, meio Thirty Seconds To Mars por trás. Nenhuma novidade na discografia do grupo, mas são inevitavelmente boas canções. Os grandes momentos, contudo, acabam ficando com os momentos mais rock. “Brothers In Arms” traz aquela canção com arranjo rock bem cru, bem direto e é uma das poucas que deve agradar aos fãs dos anos 90, já “Beautiful Drug” é aquela faixa construída na dose certa para tocar na rádio e, dentro dessa ótica, acredito que seja a mais forte por aqui. Teria lançado ela como primeiro single.

Em “Do What You Can”, o cantor narra os dias atuais de pandemia. A letra menciona sobre a nova realidade em que vivemos, com comércio fechado, escolas fechadas, dificuldade financeira, mas pede para que as pessoas mantenham a serenidade e a esperança. “Embora eu vá manter o distanciamento social, o que o mundo mais precisa agora é de um abraço. Até que se encontre a vacina, nada pode substituir o amor. Ame a si mesmo e à sua família, seu vizinho, seus amigos”. No refrão, ele traz um conselho aos seus seguidores: “Quando você não pode fazer o que sabe, você faz o que dá para fazer. Isso não é uma oração. É apenas um pensamento que quero que chegue à você”.

As maiores decepções, para mim, ficaram por conta de “Lower The Flag” e “Unbroken” que, embora, retratem temas importantes (massacre nas ruas e os traumas que os veteranos de guerra carregam, respectivamente) mereciam arranjos mais impactantes. As canções soam morna, sem vida, o que é uma pena, já que as letras são boas. 

O disco, como um todo, é bom. É um trabalho sem riscos em termos de arranjos, como já mencionado, mas bem resolvido, com boas melodias e letras bonitas. This House Is Not 4 Sale ainda acho mais impactante, mas certamente 2020 irá agradar seus fiéis seguidores. Não é um disco que mudará a história da banda, mas ao menos mantém o (bom) nível que o grupo costuma apresentar. CD bacana, inclusive, para ouvirmos nesses dias de pandemia. E aí? Vamos nessa?


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