terça-feira, 27 de junho de 2023

“África Brasil” (Philips, 1976), Jorge Ben

 


Jorge Ben (hoje Jorge Ben Jor) despontou para a música brasileira com o seu primeiro álbum Samba Esquema Novo, em 1963, um trabalho que trouxe um estilo de tocar violão tão inovador que só encontrou paralelo com o violão bossa nova de João Gilberto, do final nos anos 1950. Não havia nada parecido. Durante os anos 1960, Jorge trafegou entre a Jovem Guarda e o Tropicalismo, buscando sempre conciliar o samba do morro e cheio de malandragem com a linguagem pop.

Ao adentrar à década de 1970, Jorge Ben começa a desenvolver um interesse por Filosofia, misticismo, alquimia e cultura afro-brasileira, temas que se tornarão recorrentes nas canções de álbuns como A Tábua de Esmeralda  (1974) e Solta O Pavão (1975). As transformações na música de Jorge não ocorrem apenas tematicamente, mas também musicalmente. Já desde o começo da década de 1970, Jorge agrega à sua música referências de R&B, funk e soul music, mesclando com o samba. O álbum Solta O Pavão é o primeiro da carreira de Jorge Ben em que ele toca guitarra, mas sem deixar o violão. Porém, foi a partir de África Brasil, lançado em 1976, que Jorge passa a dedicar-se apenas à guitarra e “aposenta” o violão. Ele emprega na guitarra elétrica, a mesma levada contagiante que fazia no violão.

Décimo quarto álbum da carreira de Jorge Ben, África Brasil é praticamente um desdobramento de A Tábua de Esmeralda, ao trazer temas como a alquimia e a exaltação da identidade do povo afro-brasileiro. Cercado de músicos talentosíssimos como o tecladista José Roberto Beltrami (responsável também pelos arranjos de orquestra do álbum), o saxofonista Oberdan Magalhães (futuro fundador da Banda Black Rio) e o baterista Wilson das Neves, dentre outros músicos, Jorge produziu África Brasil ao lado do produtor Marco Mazzola, um álbum inovador e assombroso, que ajudaria a definir novos caminhos para a música brasileira.

O filósofo egípcio Hermes Trismegisto.
“Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)” abre África Brasil com uma estupenda linha percussiva, algo que predominará por todo álbum. A música tem como tema o futebol, um universo que Jorge conhece muito bem e está presente em várias de suas canções ao longo de sua carreira. O filósofo egípcio Hermes Trismegisto, que esteve no álbum A Tábua de Esmeralda através da faixa “Hermes Trismegisto E Sua Celeste Tábua De Esmeralda”, retorna no álbum África Brasil por meio da faixa “Hermes Trismegisto Escreveu”, mais uma vez falando do texto escrito pelo filósofo egípcio que traz os sete princípios “herméticos” e que dariam origem à alquimia.

“O Filósofo” possui versos repetitivos e uma base percussiva hipnótica. “Meus Filhos, Meu Tesouro” é uma fusão contagiante de samba e funk. A música fala de um pai e seus filhos trigêmeos, aos quais pergunta o que querem ser no futuro. Arthur Miró quer ser jogador de futebol (Arthur é o nome verdadeiro de Zico, ídolo de Jorge e inspiração na letra). Anabela Gorda, quer ser dona de casa atuante ou mulher de milionário, enquanto que Jesus Correia prefere ser tesoureiro-presidente ou liberal. “O Plebeu” narra a paixão de um homem pobre por uma mulher rica e bem nascida. É uma versão urbana, carioca e cheia de ginga dos contos de fadas.

“Taj Mahal” era uma velha conhecida por já ter sido gravada por Jorge no álbum Ben, de 1972. Em África Brasil ela reaparece numa versão mais elétrica, pesada e num ritmo contagiante. Foi a música plagiada por Rod Stewart para fazer “Da Ya Think I’m Sexy”, em 1978, o que fez Jorge Ben mover uma ação judicial contra o astro britânico.

Abrindo o lado B, “Xica da Silva”, música composta por Jorge Ben especialmente para trilha sonora do filme homônimo do diretor Cacá Diegues, sobre uma ex-escrava tratada como rainha pelo seu amante, o português José Fernandes de Oliveira, um rico explorador de diamantes. A história se passa na província das Minas Gerais, no século XVIII. “História de Jorge” é dotada de um realismo fantástico em sua letra e que provavelmente foi inspirada na infância do próprio Jorge Ben. O futebol aparece mais uma vez neste álbum na faixa “Camisa 10 Da Gávea”, uma clara homenagem a Zico, que despontava no Flamengo e que se tornaria o maior ídolo da história do clube rubro-negro carioca. A música segue num ritmo samba funk sedutor, e que combina muito bem como trilha sonora de vídeo com os maiores gols do “galinho de Quintino”, como Zico era carinhosamente chamado pela torcida. 

Jorge Ben com sua guitarra e cercado pelos músicos que gravaram o álbum África Brasil

Após a mística e de percussão hipnótica, “Cavaleiro Do Cavalo Imaculado”, a faixa “África Brasil (Zumbi)”, fecha o álbum em grande estilo. A música é na verdade uma regravação de “Zumbi”, faixa do álbum A Tábua de Esmeralda. A nova versão ganhou um título diferente e um arranjo mais elétrico, com um ritmo inspirado no funk e percussão mais pesada. Jorge canta de um maneira mais agressiva e libertária, exaltando Zumbi dos Palmares, o líder do Quilombo dos Palmares no século XVII.

África Brasil é um trabalho que consolida o processo de fusão buscado por Jorge Ben entre a música afro-brasileira com a soul music e o funk. O álbum mostra o artista direcionando a sua música para um caminho mais pop, e esse processo de fusão de Jorge se tornou referência para o caldeirão musical do movimento Black Rio, em meados dos anos 1970. A contribuição de África Brasil não se restringe apenas à música, mas também à valorização da autoestima da população negra no Brasil ao dar visibilidade a figuras importantes da História do Brasil como Zumbi dos Palmares e Xica da Silva. O álbum aparece num momento em que o movimento negro ganha força no país, em plena ditadura militar, reivindicando direitos para a população negra brasileira, e defendendo a sua identidade e o seu legado cultural.

Faixas

Lado A

 "Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)" 
"Hermes Trismegisto Escreveu" 
"O Filósofo"      
"Meus Filhos, meu Tesouro"    
"O Plebeu"        
"Taj Mahal"
               
Lado B 
               
"Xica da Silva" 
"A História de Jorge" 
"Camisa 10 da Gávea" 
"Cavaleiro do Cavalo Imaculado"            
"África Brasil (Zumbi)" 


Todas as canções são de autoria de Jorge Ben Jor. 



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