Não estou lembrado como cheguei ao Angel. Só sei que desde a primeira vez que ouvi seu álbum de estreia, gravado em 1975, fiquei com aquela comichão que todos que gostam de música, e principalmente, do material físico, têm. Eu queria pelo menos aquele disco. Encontrei várias cópias e se demorei para adquirir não foi por conta dos valores do disco em si. Quem traz discos de fora sempre busca outras coisas para pedir junto para aproveitar o frete. E foi apenas isso que aconteceu. No entanto, por sorte, algum tempo depois vi que estava sendo lançada uma caixa com todos os discos de estúdio em CD até 1979, período em que a banda fazia parte do cast da gravadora Casablanca muito conhecida por ser a casa do Kiss – a propósito, o box em questão é o The Casablanca Years lançado em 2018.
A ligação do Angel com o Kiss não era apenas em relação à gravadora. Eles adotavam uma imagem que se resumia em roupas brancas para todos os músicos, o que contrastava com a imagem da banda de Gene Simmons em que se destacava a cor preta em seus trajes de palco, e essa relação de contraste era totalmente intencional. Também disputavam atenção na gravadora e, como todo mundo deve imaginar, nunca receberam um cuidado tão grande quanto o Kiss recebia na época. As principais pessoas do staff da Casablanca sempre eram direcionadas para o Kiss em detrimento do Angel. O leitor pode pensar: “mas o Kiss era muito maior que o Angel, portanto é natural que isso acontecesse”. Porém lembrem-se que o Kiss só estourou mesmo depois do lançamento de Alive, em 1976. O Kiss já tinha três discos de estúdio e eles não emplacavam. Portanto, na época as coisas não eram tão desproporcional assim. Gene e Paul também deram um aval para os executivos da Casablanca assinassem com a banda de Giuffria. Tem uma história que diz que Neil Bogart, executivo chefe, ficou convencido quando, após proporem que o Angel abrisse um dos shows do Kiss para que fossem avaliados, Gene se recusou por receio de serem ofuscados. O Angel assinou contrato e lançou seu primeiro disco. Entretanto outras ligações entre as bandas, principalmente musicais, também eram nítidas, porém, nesse caso, se havia intenção, isso não era abertamente admitido.
O álbum de estréia, autointitulado de 1975, inicia com uns sons meios sci-fi para introduzir “The Tower” que se tornou um hit radiofônico. Destaque imediato para a voz de Frank DiMino com um agudo quase tão característico quando a voz de Geddy Lee ou do Burke Shelley do Budgie. Em tempo, já que não havia descrito o line up da banda, DiMino tinha como companheiros Greg Giuffria nos teclados, Barry Bandt na bateria, Mickie Jones no baixo e Punky Meadows nas seis cordas. “Long Time” já é bem mais pretensiosa que os hits do disco. Várias mudanças de andamento, com um clima quase prog e comandada pelos teclados de Giuffria. “Mariner”, uma balada cheia de dramaticidade, também segue um pouco essa linha. Mas é em “Rock and Rollers” que a banda acertou seu direcionamento. Um rock and roll (uma redundância falar isso por conta do nome da música) perfeito para ser tocado ao vivo e, por coincidência ou não, a que mais tem um jeitão de música do Kiss. Esse é o disco que você deve ir atrás se você teve um pouco de interesse nessas linhas que escrevo.
Sem perder muito tempo, uma característica das bandas na época, o segundo álbum sai poucos meses depois com uma linha bastante parecida com o material do primeiro. Tentaram um hit aos moldes de “Rock and Rollers” com “Fellin’ Right”, mas não tiveram o mesmo resultado. “Fellings” segue a linha das baladas dramáticas de algumas músicas do debut. A faceta prog volta em “The Fortune” com sua longa introdução, muita participação dos teclados e uma atuação de gala de DiMino. Helluva Band (1976) junto do álbum anterior fecha a fase essencial da banda, além de também serem os discos em que podíamos dizer que essa era uma banda de hard/heavy prog. Os discos posteriores diluiriam esses elementos em um caldeirão bem mais pop, mantendo o hard, mas quase que eliminando todos os elementos prog.
No ano de 1977 saiu On Earth As It Is In Heaven que aposta na mesma linha de som do disco anterior mas já apontando para o que viria em seguida. A capa brinca com o design do logo em ambigrama, que, segundo a Wikipedia, significa uma representação gráfica de uma palavra que pode ser vista rotacionada ou invertida horizontalmente com a mesma fonética ou representação visual. Abrem o disco as duas principais faixas, que grudam na cabeça: “Can You Feel It” e “She’s A Mover”. Para não deixar faltar uma balada eles vêm com a boa “Telephone Exchange”. Um pouco do groove da Motown aparece em “White Lightning”. Não posso deixar de citar a minha faixa preferida do disco “That Magic Touch”. O trabalho de voz e backing vocals é perfeito e lembra bastante o que o Queen fazia com maestria. E o que dizer de “Cast the First Stone”? Parece que os caras do Angel estavam andando lá pela gravadora Casablanca e o Kiss estava gravando algum de seus discos e essa música acabou sobrando.
White Hot (1978) é um álbum marcou a virada de vez na sonoridade do Angel. Também marca a estreia de Felix Robinson no baixo, a única alteração de formação da fase clássica da banda. As músicas mais diretas como “Don’t Leave Me Lonely”, mantém uma boa pegada em relação ao apelo pop. O Angel nunca foi tão popular, mas certamente essas músicas poderiam ter tocado muito mais e dado notoriedade maior à banda. Outro exemplo disso é “Over and Over”. Em “Under Suspicious” alguma coisa de led Zeppelin pode aparecer, mas é “The Winter Song” que caracteriza um pouco mais a mudança do som. A faixa foi feita para ser sucesso, tem melodias agradáveis – quase passando do limite do bom gosto –, mas não conseguiu muita coisa.
O Angel demorou um pouco mais para fazer Sinful (1979), que foi lançado originalmente com o nome de Bad Publicity e até mesmo com outra arte da capa. Aqui a faceta que viria ser conhecida como AOR já estava bem estabelecida. “Don’t Take Your Love” poderia estar em algum disco do Journey. Já “L.A. Lady” tem um piano inspirado lá nos anos 50, como se o Little Richards tivesse feito uma participação com a banda de Gene Simmons. No geral é um álbum que não vai marcar muito, principalmente se comparado com qualquer outro que a banda já tinha lançado. Acabou sendo o último disco dessa fase que acabou oficialmente somente em 1981 pouco tempo depois do lançamento de Live Without a Net (1980) que é um grande álbum ao vivo.
Em 1980 duas músicas do Angel entraram na trilha sonora do filme Foxes (Gatinhas no Brasil). O filme tinha a então jovem Jodie Foster no papel principal e Cherie Currie, das Runaways, em um período de baixa da banda. A trilha sonora que saiu pela Casablanca Records em LP duplo, algo incomum, e foi inteiramente composta por Giorgio Moroder, exceto as duas faixas do Angel, a saber “20th Century Foxes” e “Virginia”. Ambas as faixas estão presentes no disco Rarities da caixa The Casablanca Years. Aliás, normalmente discos de raridades são recheados de faixas que apenas fazem volume. Aqui não é diferente, temos versões em mono, versão para rádio e versão de single para várias das músicas de maior sucesso da banda ao longo de sua carreira, mas também tem coisa inédita. Além dessas duas boas músicas já citadas o CD traz também “The Christmas Song”, que havia saído somente no lado B do single de “The Winter Song”, “Better Days” e “Walk Away Renee”. Ou seja, cinco faixas inéditas o que é quase metade de um disco completo.
Infelizmente o Angel não conseguiu se manter em evidência apenas por sua música. Tem uma palavra no inglês, gimmick, que significa aqueles detalhes que algo fica conhecido, fatos de pouca importância, mas que não definem as coisas em si. Aprendi essa palavra justamente em um texto s obre o Angel. Um exemplo de gimmick é a história do morcego com o Ozzy Osbourne, ou o fato do Gene Simmons, para usar novamente o Kiss como referência, ser linguarudo ou extremamente ganancioso. Porém esses gimmicks, o fato de serem um anti-Kiss, da vestimenta toda branca, da grande produção de seus shows, do visual andrógino, do logo em ambigrama, todos esses pequenos detalhes acabaram se sobressaindo e ficaram mais importantes que a música da banda. Isso enfraqueceu a imagem dos americanos já que a cada lançamento isso era o que gerava repercussão.
A banda se dissolveu em 1981 e várias tentativas com diversas formações foram tentadas ao longo dos anos. Um disco bastante fraco chegou a ser gravado em 1999, In the Beggining. Citarei alguns músicos que chegaram a participar de algumas dessas formações: no vocal Fergie Frederiksen participou por um tempo antes de entrar no Toto, na guitarra, Ricky Phillips, um músico que chegou até a tocar no Styx e no baixo, entre os vários que passaram pelo posto, o incansável Rudy Sarzo. Atualmente Frank DiMino reformulou o grupo com Punky Meadows e outros músicos que nunca tinham sido parte do grupo. A formação atual tem, além dos dois citados, Danny Farrow na segunda guitarra, Steve Ojane no baixo, Billy Orrico na bateria e Charlie Calv nos teclados. A ausência de Gregg Giuffria talvez seja a mais sentida, já que ele era o grande compositor da fase áurea da banda. Giuffria partiu para uma carreira solo pouco comentada após a primeira dissolução do Angel e alguns anos depois participou do House of Lords, que gravou bons álbuns.
Não deixa que os detalhes sem tanta importância faça com que você deixe de curtir uma bela banda setentista. Eles talvez tenham tido uma concorrência muito acirrada na época, mas fizeram bons disco e ótimas músicas na segunda metade da década.
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