domingo, 29 de setembro de 2024

CRONICA - MILES DAVIS | Get Up with It (1974)

 

Após a publicação do duplo Big Fun em abril de 1974, composto por recuperações de sessões anteriores, Miles Davis decidiu de vez em quando entrar em estúdio entre junho e outubro para algumas gravações. Mas sendo o resultado muito hermético para um simples LP, com a ajuda do produtor Teo Macero que se tornou um profissional de colagem, decidiu-se vasculhar novamente os arquivos para recuperar o que pudesse ser utilizável. Vemos as sessões de A Tribute (1970) e At The Corner (1973), de Jack Johnson , bem como uma peça de 1973 com a qual não sabíamos o que fazer na época.

Em novembro de 1974, foi lançado o duplo Get Up with It com mais de duas horas de música com toda uma série de músicos (na guitarra John McLaughlin, Reggie Lucas, Dominique Gaumont, Pete Cosey e Cornell Dupree, na bateria Al Foster, Billy Cobham e Bernard Purdie, na percussão James Mtume e Billy Cobham, na flauta Dave Liebman e Sonny Fortune, nos teclados Keith Jarrett, Herbie Hancock e Cedric Lawson, no baixo Michael Henderson, no saxofone Steve Grossman, na cítara elétrica Khalil Balakrishna e também ' nas tablas Badal Roy).

Neste disco descobrimos um trompetista abrindo o seu jazz rock para outros horizontes que obviamente não tinham lugar nos discos anteriores. Como por exemplo o lado B que começa com “Maiysha”. 14 minutos onde Miles Davis se transforma em bossa nova no ácido com uma flauta com sabores tropicais e órgão corrosivo. Tudo termina num funk tangoide, futurista e insano. Fazemos uma incursão no blues com o funky stoner “Honky Tonk” com efeitos Hendrixianos (único momento em que se ouve o sax) e também “Red China Blues” com gaita (tocada por Lester Chambers) e seção de metais (liderada por Wade Marcus) dando a impressão de que Muddy Water e BB King estão tendo uma viagem ruim.

O resto são peças dedicadas ao ritmo obsessivo com os alucinantes 15 minutos de “Mtume” para um festival de wah wah e percussão onde estão em evidência os tímpanos (madeira, metal, vidro, etc.). Concluindo encontramos “Billy Preston” para finalizar com uma raga interestelar. Mas o clímax é alcançado com o tribal “Rated X”. Peça agressiva que nos prende numa catedral cósmica insana com este órgão de igreja esmagador e estes tempos esquizofrênicos bons para a camisa de força.

Porém, este disco cabe nos lados A e C, cada um ocupado por uma faixa superior a meia hora. Começamos com a altiva “He Loved Him Madly”, uma peça quilométrica onde a música se instala lentamente, influenciada pelas experiências do compositor alemão Karlheinz Stockhausen. Perturbador, aqui o espaço e o tempo se estendem. Miles Davis nos leva em uma viagem de coma para um fã de krautrock cheio de mistério. Uma guitarra que tenta ocupar o espaço sonoro relembra os estranhos delírios do líder de Ash Ra Tempel, Manuel Göttsching, enquanto a outra guitarra eléctrica de seis cordas parece assombrada pelo fantasma de Hendrix. O órgão Farfisa (interpretado por Miles Davis) coloca-nos na leveza, evocando os primórdios de Tangerine Dream. O baixo traz um groove espectral. Metronómica, a bateria mergulha-nos num transe nebuloso. As percussões dão um toque de exotismo difuso. Nesta errância enevoada, aparecem uma flauta cativante e uma trombeta vaporosa. Resumindo, Miles Davis inventa para nós o ambient jazz fusion.

Mais adiante está “Calypso Frelimo”. Título fluvial dedicado aos combatentes da resistência angolana contra o colonizador português. Na verdade, isto nos mergulha numa África urbana, rítmica, frenética, dançante, caótica, galopante, festiva, fascinante, intrigante, estimulante, fascinante, tecnóide, motorizada, febril...

Assim como seu antecessor, Get Up with It passou quase despercebido. No entanto, foi o último álbum de estúdio de Miles Davis em algum tempo. 

Títulos:
1. He Loved Him Madly
2. Maiysha
3. Honky Tonk
4. Rated X
5. Calypso Frelimo
6. Red China Blues
7. Mtume
8. Billy Preston

Músicos:
Miles Davis: Trompete, Órgão
Carlos Garnett, Steve Grossman, John Stubblefield: Saxofone
Keith Jarrett, Cedric Lawson: Piano Elétrico
John McLaughlin, Reggie Lucas, Pete Cosey, Cornell Dupree,
Dominique Gaumont: Guitarra
Khalil Balakrishna: Cítara
Michael Henderson: Baixo
Al Foster, Billy Cobham, Bernard Purdie: Bateria
James Mtume, Airto Moreira: Percussão
Badal Roy: Tabla
Dave Liebman, Sonny Fortune: Flauta
Herbie Hancock: Clavinet
Wally Chambers, Gaita
Wade Marcus: Orquestração

Produção: Teo Macero



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