domingo, 1 de setembro de 2024
Review: Candlemass – The Door to Doom (2019)
Review: Uriah Heep – Living the Dream (2018)
Review: Grateful Dead - American Beauty (1970)
E foi com American Beauty que o Grateful Dead alcançou um som genuinamente fantástico, com canções memoráveis e clássicos típicos da virada dos anos 1960 para os 1970. E o disco é agradável por misturar na medida certa instrumentos elétricos e acústicos e com todos os músicos se destacando.
A banda era um verdadeiro combo e entrou no estúdio formada por Jerry Garcia (guitarras pedal steel, piano e vocais), o jovem Bob Weir (guitarra base e vocais), Mickey Hart (percussão), Bill Kreutzmann (bateria), Phil Lesh (baixo, guitarra, piano e vocais) e o falecido beberrão Ron "Pigpen" McKernan (harmônica e vocais).
Logo de cara temos a doce e delicada "Box of Rain", muito na veia de outra super banda da época, o Crosby, Still, Nash & Young. A canção transporta o ouvinte com um som suave em que Phil Lesh queria tanto cantar para seu pai que estava moribundo. Robert Hunter escreveu as letras que desfilam poesia em "Saia de qualquer porta sinta o seu caminho, sinta o seu caminho como no dia anterior/ Talvez você encontre direção em algum canto onde está esperando para conhecê-lo". Uma belíssima abertura de disco, sem dúvida alguma.
"Friend of the Devil" invoca um espírito mais brincalhão na linha de Simon & Garfunkel, arrancando um sorriso de quem a escuta. Na letra, um homem que está fugindo da lei passa por quase todos os Estados Unidos - cortesia de Jerry Garcia. A instrumentação acústica é linda, incluindo um excelente trabalho de bandolim do convidado David Grisman, e é a primeira de três músicas deste disco que capta exatamente o que o Dead adorava fazer: a vida na estrada.
A coisa começa a ficar mais mais séria em "Sugar Magnolia", um clássico instantâneo animado e bem alto astral imortalizado na voz de Bob Weir com um ar rock country, se tornando uma das favoritas dos fãs.
"Operator" traz um clima mais cadenciado cantado por Pigpen, um blues com ar bem folk. "Candyman" é outro momento de brilho de Jerry Garcia. Hipnótica, a canção é um blues mais arrastado e bucólico, com um instrumental intimista apoiado nas guitarras acústicas. A balada "Ripple" segue a mesma linha, mas desta vez um pouco mais country do que a canção anterior . O segundo petardo que trata da vida na estrada é "Brokedown Palace" e relata uma jornada de um viajante - mais precisamente os Deadheads que viajavam de cidade em cidade com a banda em suas turnês - mais fiel. Uma justa homenagem da banda aos seus fiéis acompanhantes, que ficaram mundialmente famosos pela dedicação e fanatismo.
"Till the Morning Comes" é mais alegre, com um ar de anos 1960 ainda pairando e trazendo a banda entrosada nas passagens - indicando que os anos de estrada e horas de jams ao vivo trouxeram resultados positivos. A banda parece tocar por instinto. Uma bela surpresa deste grande álbum. A lenta e potente "Attics of My Life" tem um clima bem Grateful Dead, com destaque ao piano emoldurando e bela harmonia - que fica espetacular com os vocais em coro. Estamos diante uma das músicas mais bonitas do disco, com harmonias vocais de Garcia, Weir e Lesh combinando perfeitamente.
A terceira e última música que fala da vida da estrada fecha o disco de maneira brilhante! "Truckin'" é praticamente uma história autobiográfica sobre a vida na estrada literalmente, onde todos os locais se misturam em um "quem é quem" das cidades americanas. No final das contas, a canção lembra que todos os locais são os mesmos e o que importa é ir tocar para seus fãs e depois descansar em casa, recuperar as energias para cair na estrada novamente. Cidades se misturam: "Chicago, Nova York, Detroit, está tudo na mesma rua".
"Truckin'" é o hit do álbum e sua música mais famosa, ao lado de "Sugar Magnolia". É também o número mais impressionante aqui, já que a jornada até agora da banda é narrada: "Às vezes a luz está brilhando em mim / Outras vezes mal consigo ver / Ultimamente me ocorre / Que viagem longa e estranha tem sido".
Se tivesse que escolher apenas uma música do disco? American Beauty é o retrato sonoro do talento do Grateful Dead. Vale destacar "Truckin'", por contar a vida da banda sem papas na língua!
Mitski – Be The Cowboy (2018)
E ao quinto álbum, Mitski traz-nos o seu melhor trabalho até agora. Um disco denso e emocional, para ouvir vezes sem conta e sem cansar.
Mitski tem vindo a surpreender a cada álbum que lança mas é neste Be The Cowboy que apresenta o seu melhor trabalho. São 14 faixas complexas, repletas de densidade e de sentimentos. Parece que Mitski abre o coração e deixa sair cá para fora todas as dores e dúvidas existenciais, suportada pelos instrumentos poderosos e pela voz envolvente e elástica que a caracteriza.
O single, “ Nobody”, nem sequer é a melhor música do álbum. O disco arranca com a excelente “Geyser”, diferente de tudo o resto, mais sonoro e cheio, mais produzido. Segue-se “Why Did You Stop Me?”, que até permite uns requebros na pista de dança, para voltarmos ao piano em “Old Friend”, uma das faixas mais emblemáticas deste trabalho, na simplicidade do que de facto se faz com amigos (“take coffee and talk about nothing […] take anything you wanna give me”).
Em “A Pearl” há uma exposição de todas as ansiedades e incertezas, bem expressas quer na letra quer nas mudanças ao longo da música, nas modulações da voz de Mitski, que chega quase a um descontrolo e que não se parece importar com a sua própria vulnerabilidade.
Destaque ainda para a declaração de amor que é “Pink In The Night”, a afirmação crua, quando canta “I thought I’d traveled a long way but I had circled the same old sin”, em “A Horse Named Cold Air” e a estranheza (que se entranha) de “Washing Machine Heart”. A fechar, “Two Slow Dancers” traz-nos a delicadeza, o cansaço de Mitski, a desilusão conformada que vai martelando delicadamente no piano, “two slow dancers, last ones out”.
Mitski, no fundo, oferece-nos o seu coração, as suas ansiedades, incertezas, paixões e desilusões, embrulhadas numa musicalidade ímpar e numa produção cuidada, que faz deste disco um dos mais bem conseguidos trabalhos do ano.
GNR – Independança (1982)
Independança foi um pequeno OVNI que demorou a aterrar e a ser entendido na história do pop-rock made in Portugal. As dissonâncias e as avarias apresentadas no disco roubaram o discernimento ao público consumidor, e o insucesso comercial foi garantido. No entanto, é um disco importante e histórico. Um marco do início do boom do rock português dos anos 80.
Com o boom do rock português do início dos anos 80 do século passado, muitas foram as bandas que começaram a debutar. Embora a música elétrica já por cá andasse a batalhar por um espaço próprio desde a década anterior, foi com os eighties que os discos e os sucessos de muitos deles conseguiram impôr-se no panorama musical da época. Se é verdade que esse momento novo teve Rui Veloso como pai (o álbum Ar de Rock, de 1980, inaugurou, de facto, um período importante na expansão da musica rock feita em Portugal), também não deixa de ser verdadeiro o facto de que o progenitor do pop-rock mais clever clever e mais antenado com algum experimentalismo foi assumido pelo Grupo Novo Rock, os GNR do nosso contentamento. O álbum que os viu nascer teve Independança como nome de batismo e destacou-se por ser verdadeiramente novo e inesperado. Fugiu ao estilo do rock mais básico e vulgar feito na altura (sem quaisquer juízos de valor na adjetivação que utilizamos, note-se) e embrenhou-se por caminhos mais sinuosos e vanguardistas. O resultado dessa aposta foi, a curto prazo, o escasso sucesso comercial. No entanto, o tempo veio a dar razão às vontades que terão presidido à sua feitura. Independança é um marco importante e incontornável na história do rock português e um momento único na carreira da banda portuense que agora festejamos no Altamont.
Independança é um disco bastante atrevido, ousado e corajoso, quando o que importava, na altura em que foi produzido e lançado, era fazer mais do mesmo, Alexandre Soares, Vítor Rua, Tóli César Machado, Miguel Megre e Rui Reininho apostaram em algo diferente e arrojado. O destaque maior vai para o ritmo, para a vertente dancável da música, tudo feito com elevado grau de independência criativa. A junção destas ideias justifica plenamente o título do disco, como é fácil perceber. Apesar de em Independança se encontrar “Hardcore (1º Escalão)”, tema que serviu de single de apresentação do élepê e que viria a ser um clássico do grupo, o disco não teve sucesso comercial, embora a crítica lhe tenha dado a devida importância e reconhecimento. Na verdade, não havia no álbum nenhum “Chico Fininho” que pudesse ser cantarolado por uma multidão crescente de portugueses ávidos de rock cantado na língua de Camões. Dos oito temas originais que dele fazem parte, nem um seguia esse caminho mais comercial, digamos assim. Antes pelo contrário. De temas como “The Light” (belo e soturno como poucos, com estranho e fragmentado início, para depois ceder espaço ao piano e à voz), “Independança” (curto e instrumental) e principalmente “Avarias”, que preenchia totalmente a rodela B do álbum, repleto de alguma loucura e desvario experimental, não se poderia esperar outra coisa que não fosse estranheza e inquietação por parte dos sôfregos consumidores lusos. Foi, nesse sentido, um delicioso tiro nos pés, o que os GNR deram com Independança. Em vez de um simples álbum de tendência pop-rock, fizeram um disco de veia arty bem saliente, onde se nota um ou outro piscar de olhos aos sons dos Joy Division (“Bar da Morgue”) ou Velvet Underground (“The Light”), por exemplo.
A passagem do tempo, ao mesmo tempo que pode provocar esquecimento, também nos surpreende muitas vezes em sentido contrário. Essa mesma instância arbitrária da duração das coisas, tantas vezes castradora e fúnebre, também pode assegurar vida renascida e imortalidade. Os temas “Agente Único”, “O Slow Que Veio do Frio” e “Dupond & Dupont” são a prova do que dizemos, assim como também aconteceu, de forma ainda mais evidente, com o já referido “Hardcore (1º Escalão)”.
Independança foi o primeiro passo de uma extensa história discográfica de muitos e bons álbuns, de muitas e belas canções que foram ficando mais hinos do que apenas canções, de inúmeros e fantásticos concertos em terras lusas e até mesmo fora das nossas fronteiras geográficas. Os GNR sempre primaram pelo bem gosto, por vezes inusitado e requintado, um bocado fora da box do entendimento comum. Independança será, talvez, o melhor e mais perfeito exemplo disso. Ainda bem que assim foi. Ainda bem que assim (ainda) é.
GNR – Defeitos Especiais (1984)
Em 1984, ano distópico por excelência, os GNR lançam um disco sombrio e claustrofóbico cheio de referências pós-punk: uma espécie de Joy Division à Gomes de Sá, metade negrume de Manchester, metade granito do Porto.
A história dos primeiros anos dos GNR é a história das desavenças estéticas dos seus três fundadores: Vítor Rua, Alexandre Soares e Tóli César Machado. Desta feita, é Rua que bate com a porta, indo Jorge Romão para o seu lugar. A sonoridade do novo disco reflecte esta mudança, substituindo o groove dançante de Independança por um baixo melódico à Peter Hook. Adicione-se uma bateria robótica e uns quantos salpicos de guitarra ácida, e o rock gótico de Defeitos Especiais estará pronto a servir. Não estranhámos: “Bar da Morgue”, do disco anterior, já tinha morcegos na lapela.
Reininho cataloga Defeitos Especiais como “o nosso disco mais Rock Rendez Vous”, de tal forma este som lúgrube à Bauhaus dominava os meios alternativos de então. “Piloto Automático”, com o seu mantra “vodka, vodka”, tem também o dom de captar os ares do tempo, tornando-se um hino de boémia e transgressão.
Não se pense, porém, que os GNR se limitam a copiar as referências britânicas de então. O que é interessante na pop portuguesa dos anos 80 é que essa abertura cosmopolita ao que acontecia lá fora era sempre enxertada com uma identidade portuguesa e intransmissível. Veja-se o caso de “Muçulmania”, com a sua citação da amaliana “Canção do Mar”; ou “Pershingópolis”, com o seu piscar de olho ao corridinho algarvio.
Apesar de terem abandonado o experimentalismo radical de “Avarias”, os GNR de Defeitos Especiais são ainda orgulhosamente anti-comerciais, vendendo poucos discos mas recebendo o elogio da crítica. Não se estranha por isso que o encantador single “I don´t Feel Funky (Anymore) tenha sido olimpicamente ignorado pelo grande público. A valsa “Mau Pastor” aponta timidamente os caminhos pop do futuro, mas só a bomba atómica “Dunas”, do disco seguinte, mudaria realmente tudo…
Jungle – For Ever (2018)
For Ever é o mais recente disco dos Jungle, uma banda difícil de não gostar. Os londrinos Josh “J” Lloyd-Watson e Tom “T” McFarland regressam quatro anos depois do primeiro álbum, com um trabalho aparentemente mais consistente.
À primeira audição, For Ever soa fresco, soalheiro e dá vontade de dançar, ou pelo menos de nos abanarmos ligeiramente e forma quase imperceptível, como as folhas das árvores ao vento ligeiro, até que um colega fique a olhar fixamente para nós, porque claramente estamos a mexer-nos mais do que nos apercebemos. A vantagem para o duo é que, entre 2014 e 2018 ainda passam uns anos, as referências e a estética musical continuam boas, (sempre foram) e várias canções aguentam muito bem como singles, música ambiente ou parte de um qualquer dj set tocado ao pôr-do-sol ou junto à praia com um copo na mão e demasiada gente vestida em tons claros. O pior é que, mal voltamos ao primeiro álbum dos Jungle, sentimos imediatamente que pouco ou nada evolui nesta banda.
Quase seguindo a máxima de que em equipa que ganha não se mexe, o duo continua o seu soul-pop-disco com bons resultados auditivos e muito boa produção. Basicamente é uma banda difícil de não gostar. For Ever mantém a estética do anterior trabalho da banda e quase podia ter sido lançado com o primeiro disco. Éuma audição fácil mas que implica não ficarmos aborrecidos com falsettos durante 46 minutos, senão desistimos ao fim de três faixas.
Este mais recente trabalho dos Jungle foi gravado em Los Angeles, onde Lloyd-Watson viveu uma relação que não resultou. Reflexo da desilusão com o amor e a cidade, as letras são pouco optimistas, como “House In LA” (So ask me to stay/ oh God, in the hope that you can heal my pain), “Cherry” (Life won’t grow if we never change) ou mesmo a irónica “Happy Man” (Buy yourself a dream and it won’t mean nothing), o que dá uma camada extra de sentido aos mais atentos.
Contudo, sem uma abordagem mais profunda à audição, tudo soa bastante superficial, na medida em que as letras podiam na verdade ser sobre qualquer tema, tendo em conta que é o groove que carrega o peso do disco, e isso é muito bem feito, embora sem surpresas. O resultado é uma alegre dança ao sol sobre desilusões amorosas. Quem nunca?
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