sábado, 29 de outubro de 2022

Revisão do álbum de Markus Reuter - 'Truce 2' (2022)

Sem trégua novamente: o que o mestre alemão Markus Reuter tem a nos oferecer no ano de 2022

Markus Reuter - 'Truce 2'
(12 de janeiro de 2022, MoonJune Records)

Markus Reuter - Trégua 2

Hoje temos o grande prazer de apresentar “Truce 2”, a nova obra fonográfica solo de MARKUS REUTERque foi publicado pelo selo MoonJune Records na segunda semana de janeiro de 2022. Certamente, não é um álbum solo no sentido estrito do termo, já que REUTER, que está encarregado das Touch Guitars, do sintetizador, das paisagens sonoras e os efeitos, foi acompanhado do início ao fim por dois magistrais acompanhantes como Fabio Trentini (baixo com e sem cordas, contrabaixo elétrico e sintetizador de baixo) e Asaf Sirkis (bateria e percussão). Não só isso: acontece também que todo o material aqui contido foi escrito e arranjado pelos três, assim como no álbum “Truce” de 2020. As sessões de gravação de “Truce 2” aconteceram no Ritmo&Blu Studio, localizado na cidade italiana de Pozzolengo, entre 3 e 5 de julho de 2021. Esse mesmo estúdio serviu para o processo de mixagem, no último terço do mês de agosto seguinte, e posterior masterização. Para essas duas últimas fases, a presença da Trentini como parceira constante da REUTER (além de Stefano Castagna) foi fundamental.

Este álbum, como dissemos acima, esbanja vigor e distinção em partes iguais, e basta prestar atenção à dupla inicial de 'The Rake' e 'Rounds Of Love'. A primeira dessas faixas começa com uma tentativa de exibição de sonoridades explosivas aleatoriamente antes que o trio se concentre em um motivo atrevido adequadamente articulado. Os grooves são complexos no mais puro estilo progressivo, mas dá para perceber que já possuem linhas bem definidas; com as aparências estratégicas de alguns interlúdios etéreos, a peça ganha um domínio extra. No meio do caminho, o grupo incorpora nuances herdadas do free jazz em sua vigorosa exibição de psicodelia pesada e progressiva, que se concentra ainda mais impetuosamente em sua própria tensão essencial. Quanto a 'Rounds Of Love', o trio se dedica a explorar os swings de fusão para dar uma agilidade renovada à expressividade persistentemente ardente que delineia com mão firme o amálgama dos instrumentos participantes. É como se uma partitura perdida de um dos dois últimos trabalhos de estúdio do STICK MEN tivesse chegado às mãos da próxima geração do KING CRIMSON em uma missão para explorar os padrões do punk-jazz. Além de ter um dos solos mais eletrizantes do Touch Guitar aqui, há também um toque muito marcante que é alimentado pela agilidade acima mencionada. Nós apreciamos um começo poderoso para o álbum e um momento culminante dele, sucessivamente. Na terceira música do repertório, que responde ao título de 'Estéril', o grupo investe um bom tempo em sua faceta mais apropriadamente arrematada pelo caminho avant-progressista; densidade cósmica e a aura parcimoniosa de mistério são as coordenadas sob as quais se desenvolve esta peça, marcada por uma nebulosidade esotérica. Opera aqui um cruzamento peculiar entre jazz experimental e RIO. Já na segunda metade, a bateria se volta para um groove mais decididamente espirituoso, que empurra a música para um clímax final ardente.

Com duração aproximada de 10 minutos, 'Melomania' se destaca como a peça mais extensa do repertório, que nos prepara para uma exibição de magnificência magistral por parte do conjunto. Tudo começa com uma espécie de retomada da densidade voraz estilizada que marcou boa parte da peça anterior, embora com um vigor mais contido. A bateria, totalmente focada em vibes avant-jazz, brilha ao guiar os outros instrumentos nessa jornada que leva tempo para desenvolver texturas furtivas de tenor psicodélico-sideral. Quando a dupla rítmica para, abre-se o campo para um solo onírico de Touch Guitar em meio a camadas e efeitos cósmicos; já com o retorno daquele, o trio volta a elaborar um sólido exercício de jazz experimental aliado ao prog Crimsonian, o que implica outra nova amostra de ferocidade majestosa. Agora o Touch Guitar se torna o embaixador do Vulcano e a dupla rítmica está reforçando sua nova agilidade para sustentar a engenharia incendiária em andamento de maneira solvente. Que grande zênite do álbum!, por Deus! Quando é a vez de 'Consolation', o grupo se propõe a explorar uma dimensão melancólica e torturada da psique humana dentro de um quadro sonoro onde a garra do avant-rock é tratada com relativa sobriedade. O fraseado longo e expansivo que ocorre no solo maratona de Touch Guitar é convenientemente apoiado pelo trabalho sofisticado da dupla rítmica. 'River Of Things' segue em grande parte a estratégia criativa da faixa #2, mas com uma dose menor de densidade e um soco de rock mais pronunciado. A vitalidade inerente à peça adquire uma tonalidade especial quando a dupla rítmica utiliza uma arquitetura que muitas vezes se baseia em jogos de síncope. Já perto do final, o bloco sonoro assume uma pegada semelhante às das duas peças anteriores. O fechamento do repertório vem da mão de 'One Cut Suffices', que é realmente a peça mais serena dele. Com a duração de quase 8 minutos e um quarto, o conjunto deposita neste tema uma auscultação de atmosferas e nuances introspectivas que se deixa envolver numa tensão arcana vinda de fora. Podemos imaginar que o que acontece aqui é uma remodelação do paradigma carmesim do novo milênio em um fogo cruzado entre os patronos de Ray Russell e Allan Holdsworth.

Assim se completa a experiência de “Truce 2”, uma das obras mais majestosas no cenário progressista internacional do corrente ano de 2022. O craque MARKUS REUTER mostrou-se indignado junto com seus mais ilustres companheiros de viagem. Incansavelmente e com grande talento, ele, Trentini e Sirkis nos forneceram um catálogo maravilhoso de música progressiva aventureira e de vanguarda. 300% recomendável (100% para cada músico envolvido neste novo feito exaltado dentro da arte do som).


- Amostras de 'Trégua 2':

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