sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Queen “Flash Gordon” (1980)

 Editado em 1980 e encarado como um álbum de pleno direito do cânone da discografia de estúdio dos Queen (e não apenas uma banda sonora), “Flash Gordon” é um momento atípico na obra do grupo mas o tempo fez dele um episódio de culto. 

Em 1980, quando o cinema devolveu à vida “velho” herói dos tempos dos serials, a coisa não correu como o esperado e em muitos territórios a bilheteira ficou aquém de títulos então recentes como A Guerra das Estrelas, Encontros Imediatos de Terceiro Grau ou Alien – O Oitavo Passageiro, que faziam da ficção científica o “sabor” do momento na passagem dos setentas para os oitentas. Com o tempo Flash Gordon ganhou um estatuto de culto e a história recorda-o como uma das mais garridas entre as incursões do cinema pelo património dos comics.

Flash Gordon nasceu como uma tira de BD nos anos 30. Foi criado por Alex Raymond um pouco na linha das tiras que entretanto tinham já feito de Buck Rogers um herói popular. Flash era um jogador de pólo, formado na universidade de Yale que, na companhia de Dale Arden e do Dr. Zarkov, ruma ao planeta Mongo, onde o seu governante, o imperador Ming, se divertia com a Terra, lançando sobre o planeta azul um cocktail de desgraças, entre as quais uma tempestade de meteoritos… Coisa simples… Flash Gordon dá então por si num mundo dividido sob o jugo de um tirano impiedoso. Divide para reinar. E deixa cada comunidade entregue a um clima de suspeita e oposição face às suas vizinhas, desconhecendo por isso as máximas do estilo “o povo unido” e similares… Numa espécie de revolução despida de ideologia, feita de pancada, pistolas de raios, naves, homens falcão e outros seres e tradições bizarras, Flash Gordon lança as táticas, mobiliza as forças e encontra o ponto de rebuçado da unidade popular… Dá conta do recado e lá se vai o tirano por água abaixo… A personagem e os lugares por onde andou deram, na verdade, ainda mais pano para mangas, alimentando tiras publicadas na imprensa durante décadas a fio.

Em 1936, dois anos depois de nascido entre os quadradinhos de Alex Raymond, Flash Gordon chegou pela primeira vez ao cinema num primeiro serial, que se prolongaria por 13 episódios e representaria uma das primeiras grandes produções bem sucedidas do cinema de ficção científica. Tanto que, pouco depois, geraria dois novos serialsFlash Gordon’s Trip To Mars (de 1938, com 15 episódios) e Flash Gordon Conquers The Universe (de 1940, em 12 episódios). O impacte destes serials motivararia, mais tarde, a criação de uma primeira série televisiva de acção real (com 39 episódios produzidos entre 1954 e 55) e uma segunda, de animação (de 32 episódios, criados entre 1979 e 1980).

Foi sobre todo este legado, e a consciência da solidez de um herói criado pela cultura popular dos anos 30 que soubera cruzar gerações, que Dino de Laurentis avançou com o projeto de um filme centrado na figura de Flash Gordon, cuja realização entregou a Mike Hodges. O caldeirão de ingredientes era, de facto, impressionante, juntando um elenco onde encontrávamos nomes como os de Max Von Sydow (Ming), Topol (Dr. Zarkov), o futuro 007 Timothy Dalton (o príncipe Barin) ou Ornella Mutti (princesa Aura), um guarda roupa criado por Danilo Donati (que trabalhou com Fellini), uma direção artística atenta à herança dos serials dos anos 30, juntando agora a exuberância da cor e, cereja sobre o bolo, uma banda sonora essencialmente instrumental criada pelos Queen.



A trama recebeu alguns novos temperos – Flash Gordon passou a ser um jogador de futebol – mas na essência o filme retrata a ida do pequeno contingente a Mongo, o confronto com Ming e o jogo de resistência e oposição que se segue. Coisa linear, simples (a roçar por vezes o simplório), firme na exploração de um tom de fantasia e até alguma ingenuidade visual e com narrativa herdada das memórias das produções dos nos 30, vincando por outro lado a novidade berrante da cor, num festim camp de exagero barroco planetário como poucas vezes a ficção científica vestiu. Nem mesmo na Barbarella de Roger Vadim…

40 anos depois, Flash Gordon virou coisa de culto (consciente do tom kitsch e camp que aqui mora). E recentemente foi lançada uma nova edição em 4K e Blu-Ray com uma montanha de extras.

Criada pelos Queen, a música de Flash Gordon foi a primeira das suas duas investidas maiores pelo cinema (a segunda chegaria anos depois em Highlander, de Russel Mulcahy). A música é essencialmente instrumental (há apenas duas canções), com grande parte das composições a explorar o tom “futurista” dos emergentes sintetizadores, mantendo todavia o tom épico que sempre caracterizou a alma das canções do grupo. Foi o próprio Dino de Laurentis quem abordou os Queen para este desafio, tendo o grupo aceite desenvolver o projeto ao mesmo tempo que trabalhava no álbum The Game.

No fim, Flash Gordon é o mais atípico dos álbuns da obra dos Queen, a lógica camp que as imagens sugerem encontrando aqui perfeito complemento direto. O álbum foi recentemente reeditado com som remasterizado, juntando um segundo CD com maquetes, versões alternativas e gravações ao vivo.




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