sexta-feira, 23 de agosto de 2024
Tibor Szemző - Tractatus (1995)
Re: 3/3 Sanbun No San (1975)
Higo Hiroshi - baixo
Chiko Hige - bateria
Gravado em 1975, o LP da 3/3 foi provavelmente o disco japonês mais lendário entre os colecionadores de punk simplesmente porque ele mal existia. Rumores persistem de menos de 10 cópias já feitas. O LP foi fabricado como um teste de prensagem com a esperança de gerar interesse da gravadora. Isso não funcionou. Seus acenos para o psicodélico chegaram tarde demais e seus trechos de peso bruto, direto e agressivo aparentemente chegaram tarde demais para a tendência pós-Sabbath ou cedo demais para o punk. Poucas pessoas tinham ouvido esse disco antes desta reedição, mas nos últimos anos, quando muitos colecionadores de discos de língua inglesa começaram a frequentar lojas especializadas em Tóquio, rumores começaram a se espalhar para fora do Japão sobre a banda pré-Friction. Supostamente, um CD-R foi leiloado no Yahoo Japan e, se for verdade, acredito que o CD-R forneceu o material de origem para esta reedição. (Uma estranha queda perto do final da primeira música não é um defeito de impressão — pelo menos aparece nos MP3s que obtive há algum tempo, possivelmente também provenientes do mítico CD-R.) Então, o LP faz jus à sua lenda?
Como uma peça de proto-punk, este disco é tudo o que se exige desse pseudogênero. Para mim, a bizarrice de algum proto-punk (estou olhando para você, o Centro-Oeste) é aceitável se for o substituto para o peso e a agressividade em discos que não têm essas qualidades. Felizmente, 3/3 é pesado e não é estranho, pelo menos não para quem já ouviu o heavy psych mais elementar. Algumas de suas músicas, com mucho wah-wah, são claramente influenciadas por Hendrix mais do que qualquer outro artista, e na maior parte, o disco não tem o peso lento e riff do Sabbath (ou bandas japonesas semelhantes ao Sabbath, como Blues Creation ou Flower Travellin' Band). Ele fica em algum lugar no meio, aprimorado na minha opinião por sua gravação simplificada e com som ao vivo. Essa qualidade de gravação lembra as outras obscuridades importantes no mundo proto-punk japonês que foram relançadas recentemente, os dois 7”s de Benitokage. Ao contrário de Benitokage, no entanto, não detecto nenhuma influência glam em 3/3. Além disso, tempos relativamente rápidos abundam. Certamente é mais rápido que o Pistols! O canto de Reck, presente em cerca de metade das músicas, me parece suficientemente proto-punk também. Ele não grita, mas também não lamenta, e em alguns lugares Reck parece estar cantando bobagens (ou talvez seja scat proto-punk). É despretensioso, o que provavelmente é a melhor maneira de descrever o efeito geral do álbum. O LP não se mantém exatamente como um álbum porque a ordem das músicas é imperfeita, com as melhores coisas no final do lado A e no início do lado B, e a música mais fraca, mais Jimi/wah-wankish e mais longa começa o disco. Mas o disco termina apropriadamente com uma música chamada "Let it flow", que tem uma vibração definitivamente deprimente e espaçada. Como um documento de um show ao vivo ou mesmo ensaio, este disco tem sucesso porque não tem a mediação que uma gravação mais polida introduziria. A
formação do 3/3 incluía Higo Hiroshi no baixo e Reck na guitarra e vocais, enquanto no Friction, Reck tocava baixo e cantava, e o formidável Tsunematsu Masatoshi tocava as seis cordas. O baterista permaneceu o mesmo em ambas as bandas. Um olhar mais atento às fotos na parte de trás deste LP revela que é o Friction retratado, não o 3/3, embora o bumbo pareça ter um "3" na frente. Com a atual popularidade intercultural do Friction (entre punks e normas nerds), os ouvintes certamente tentarão ouvir dicas do som simples, abrasivo e do centro de Manhattan superado em Tóquio do Friction. Eles não estão lá, exceto na medida em que a crueza e a qualidade de gravação ao vivo de 3/3 podem ter sido transportadas para a era punk. (Liricamente, Friction permaneceu psicodélico, até onde eu sei.) Embora nada de 3/3 salte do vinil e agarre você pela garganta como "Crazy Dream". Infelizmente, esse é o destino do fã de punk trabalhando ao contrário.
Então, mais de US$ 40 é um preço justo por um LP sem informações sobre a banda e fotos da banda errada? Bem, digamos que você precisa deste disco, e roubar nas poucas lojas de discos independentes que sobraram não é uma solução. É da minha natureza, eu acho, aproveitar a chance de ter uma música em vinil que não está disponível de outra forma, especialmente música feita por pessoas que se tornaram parte de uma das melhores bandas de uma das minhas eras favoritas (primeira onda do punk japonês). Aparentemente, outros concordam, já que este LP é um dos primeiros que o rabugento Shadoks pressionou duas vezes em vinil. A primeira prensagem compreende 500 cópias numeradas em vinil vermelho, e a segunda 350 cópias em vinil preto. Espera-se que o Sr. Shadoks esteja dando parte de seus lucros para Reck and Co., mas há dúvidas a esse respeito.
Paul McCartney – Egypt Station (2018)
Na tentativa de ganhar visibilidade com os millennials e de não ser barrado à porta de discotecas de famosos, Paul McCartney alia-se aos produtores da moda. Porém, Egypt Station fica muito aquém da qualidade do ex-Beatle.
Paul McCartney sempre foi, erradamente, considerado menos sério que John Lennon nos Beatles. A ideia que perdurou, ao fim destas décadas todas, é que era Lennon quem escrevia as canções mais interessantes (“Help!”, “In My Life”, “Nowhere Man”, “Strawberry Fields Forever”, “A Day In The Life” ou “Revolution”) e que Paul era o tipo mais light, com músicas mais superficiais (“Love Me Do”, “All My Loving”, “Ob-La-Di, Ob-La-Da”, “Hey Jude” ou “Let It Be”). Ou seja, o verdadeiro talento nos Beatles estava em John Lennon.
O seu percurso pós-Beatles poderá ter dado azo a essa ideia preconcebida, mas a verdade é que ela não corresponde à realidade. Músicas como “Eleanor Rigby”, “She’s Leaving Home”, “The Fool On The Hill”, “Blackbird”, “Helter Skelter”, “Oh Darling” ou “I’ve Got a Feeling” mostram que Macca não só não era menos interessante que Lennon, como era o mais completo músico da banda, tanto a nível vocal como instrumental. A amplitude da sua voz e a impressionante capacidade de tocar uma variedade de instrumentos deviam ser predicados suficientes para se olhar para Sir Paul por um outro prisma e, ao contrário do que muitas pessoas pensam, era Paul e não Lennon quem mais cedo esteve interessado na contracultura e na vanguarda. Exemplo disso está na utilização de fitas para a composição da soberba ‘Tomorrow Never Knows’, canção de Lennon de Revolver, um dos primeiros exemplos de música psicadélica em discos pop/rock, que, sem a intervenção de Paul, não teria tido o mesmo efeito. Também toda a concepção de Sgt. Pepper e Magical Mystery Tour partiu de Paul, enquanto todos os outros estavam um pouco perdidos em relação ao rumo a tomar.
No entanto, por muito importante que tenha sido Paul McCartney nos Beatles, a sua carreira a solo foi, certamente, a mais decepcionante. Enquanto os menos mediáticos Ringo e George surpreenderam na década de 70 e Lennon manteve a sua bitola alta, Paul foi bastante errático e inconsistente ao longo da sua longa carreira, carreira essa que começara da forma mais surpreendente com dois discos bem caseiros, com Paul em estado depressivo, a carpir mágoas com o fim da sua banda de sempre, algo que não se adivinhava ao sempre alegre Paul. O resultado traduziu-se em dois dos mais honestos discos da sua carreira e que, até aos dias de hoje, ainda estão no pódio dos seus melhores trabalhos. Finda a depressão, o ex-Beatle lança-se a fundo numa nova banda, Wings, e resolve atirar às malvas o DIY, entrando na onda dos 70s soft-rock.
Contudo, a verdade é que de 1970 a 2018, e mais de vinte álbuns depois, fica a sensação de que com um Lennon ao seu lado a contrabalançar toda o constante fluxo pop, Paul poderia ter feito discos bem mais conseguidos. Contam-se pelos dedos de duas mãos os que são de real valor, e o seu melhor disco dos últimos 35 anos já data de 1997 – Flaming Pie – curiosamente escrito após os anos em que esteve a supervisionar o projecto Beatles Anthology. Não há coincidências…
A partir do século XXI, Paul quis voltar a ser relevante e não apenas visto como um ex-Beatle. Voltou a entrar nas contas dos óscares com “Vanilla Sky”, música para a banda-sonora do filme homónimo e, em 2005, fechou o cartaz do dia que marcou a reunião dos Pink Floyd, no evento Live 8. Ele, que começara a ir para a estrada com uma nova banda, com membros muito mais novos do que ele, recuperando músicas mais obscuras do seu catálogo Beatle, como ‘Helter Skelter’ ou ‘I’ve Got a Feeling’, de modo a mostrar às novas gerações que não era apenas o velhote que compôs a música dos sapinhos.
Tendo voltado a estar na moda, Paul não quis descer tão cedo desse pedestal. Em 2005 pede ajuda a Nigel Godrich, produtor de Radiohead e Beck para dar um ar mais moderno ao seu som. Apesar de tudo, Chaos and Creation In The Backyard continua a ser um típico disco de McCartney, apenas com menos música para encher, como costuma normalmente acontecer.
Em 2018, Paul continua a querer mostrar ao mundo que está bem vivo. O episódio de 2016, onde ele, Beck e Taylor Hawkings, dos Foo Fighters, foram barrados à porta de uma discoteca do rapper Tyga, numa festa pós-Grammies, deverá ter feito Sir Paul pensar que afinal já não será tão conhecido como poderia pensar. Por via disso terá pensado que deveria começar a fazer com que o seu som chegasse aos millennials. NEW, disco de 2013, já começava a percorrer essa estrada, mas é em 2018, com Egypt Station, que Paul chega ao seu destino. O resultado final, porém, não é o mais feliz. Acompanhado dos produtores da moda, neste caso Greg Kurstin, também responsável por discos de Adele, Lana del Rey, Beyoncé ou o último de Foo Fighters, Paul não consegue replicar em Egypt Station aquilo que começou a fazer a partir de Flaming Pie, passando por Driving Rain, Chaos and Creation ou Memory Almost Full, discos que marcaram um certo renascimento na carreira do ex-Beatle.
Egypt Station é, no geral, um disco entediante e feito por alguém que está a ficar sem ideias, mesmo tendo em conta que todos os discos de McCartney têm uma percentagem de músicas nesse registo. Os pontos fortes estão nas suas músicas mais descontraídas como “Come Home To Me” e “Who Cares” ou nas mais honestas como “Happy With You”, “Hand in Hand” ou “Dominoes”. Em contra-ponto, “Fuh You”, produzida por Ryan Tedder, membro da banda juvenil One Direction, é má que doi. É Paul a tentar ser moderno e contemporâneo, mas a falhar redondamente. No mesmo registo negativo, “Back in Brasil” é outra cançoneta que faria Lennon revirar os olhos de vergonha.
Entre algumas canções mais conseguidas e outras mais esquecíveis, fica a sensação de ser um disco demasiadamente longo (16 músicas) e onde Paul se esquece que o seu talento costuma vir mais ao de cima quando pauta pela simplicidade, quando se senta ao piano, ou acompanhado pela sua guitarra acústica.
O problema prende-se com o facto de, feliz ou infelizmente, McCartney achar que o seu próximo nº1 está apenas ao virar da esquina, o que, convenhamos, aos 76 anos não se afigura uma tarefa fácil nem plausível, sendo que Egypt Station é apenas mais um exemplo dessa ambição pouco conseguida. Pior: é mais uma evidência da sua incrível capacidade em criar novas músicas, mas também da frustrante realidade de muitas serem apenas projectos menores, ideias incipientes daquilo que será ainda capaz de fazer.
GNR – Valsa dos Detectives (1989)
O virar da década estava a aproximar-se a olhos vistos e os GNR, que andaram sempre um passo à frente dos tempos, não souberam bem como lidar com essa mudança.
Mil novecentos e oitenta e nove – no Japão morre o imperador Hirohito, o muro tem os seus últimos dias, em Tiananmen, um homenzinho com sacos de plástico enfrenta todo o Partido Comunista e os seus tanques e acontece a vitória de Portugal no Mundial de sub-20, na Arábia Saudita.
Na música, Jorge Palma edita O Bairro do Amor (bairro que ainda hoje frequentamos a cada oportunidade) e os De La Soul estreiam-se com 3 Feet High and Rising. Os GNR? Editam o seu disco mais fraco da década de 80: Valsa dos Detectives.
Em 1986 os GNR haviam editado Psicopátria, até então o álbum mais tripeiro da banda que redesenhou o som do Norte (e de Portugal). O disco tinha uma visão mais imposta por Toli César Machado, o que não agradava sobejamente a Alexandre Soares que, em Março de 1987 se fartou. “Saí. O grupo não precisa de mim”, disse então em declarações ao Jornal de Notícias. Afinal, aquele caminho pop não era a via a que Soares se queria associar. Falhou o momento de consagração que tanto merecia com a banda (o primeiro Coliseu), mas a sua marca manter-se-ia com o Três Tristes Tigres. Mas isso é outra história.
Voltando a Valsa dos Detectives, com produção do francês Remy Walter (que trabalhou com Bob Marley e Peter Tosh), os GNR deixaram de arriscar tanto e fizeram um disco mais previsível. Não quer dizer que seja um mau disco, apenas não é capaz de se digladiar com o antecessor (Psicopátria) ou sucessor (Rock in Rio Douro), até porque é um disco com uma identidade nortenha mais apagada, as canções soam mais ligadas a pistas de discoteca do que aos barcos rabelos.
Há algum arrojo – “Jardim D’Ala” é reggae e “1991” minimalista, música do mundo e despida -, mas também previsibilidade em igual quantidade (“Impressões Digitais” e “(Um Chamado) Desejo Eléctrico” são canções fáceis).
De ressalvar no disco temos coisas como o motivo noir que atravessa alguns temas. Reininho explicou que o álbum devia ser visto como um policial que começa com um homicídio – com “Morte ao Sol” -, a apresentação do detective – “Valsa dos Detectives” -, a recolha de provas – “Impressão Digital” – e a femme fatale – “Dama ou Tigre”.
Depois há ainda as boas canções que ficaram ao longo dos anos (quase a fazer 30), quer seja a versão portuguesa de La Valse a Mille Temps ( “Valsa dos Detectives”) ou a dançável “Dama ou Tigre”. Mas o grande contributo deste disco foi o fim do “amadorismo” na produção dos GNR, o que funcionou para que a banda pudesse editar Rock in Rio Douro, com uma produção limpa e arrojada.
No geral, é Valsa dos Detectives um disco mau? Não. Simplesmente é o menos bom dos cinco que a banda editou na década de 1980. E isso não é dizer (mesmo!) nada pouco.
GNR – Rock in Rio Douro (1992)
Entre duetos ibéricos, épicas canções de estádio e odes ao seu Norte natal, Rock In Rio Douro traz consigo um som novo e emergente, consagrando os GNR como banda líder do pop-rock português.
Os anos 80 foram, claramente, a melhor década da música em Portugal. Com a queda da ditadura, novas gerações começaram a aparecer e, a par de Rui Veloso, Xutos & Pontapés, Sétima Legião e Heróis do Mar, muitas mais bandas se foram afirmando, num constante boom musical que muitas saudades ainda trazem a quem viveu aqueles gloriosos tempos. Os GNR estiveram lá nesse início e sobreviveram aos anos em que as vendas não os estavam a ajudar a “meter o pão na mesa”. O êxito “Dunas” foi a lança em África que lhes fez ganhar um público que até aí se resumia à crítica especializada e a meia dúzia de indefectíveis, fãs de Bauhaus, Smiths ou Talking Heads. O Rock em Portugal, embora ganhando uma vitalidade que até aí não tinha, ainda estava a dar os primeiros passos e ainda não havia grande lugar para os experimentalistas. Daí que, intencionalmente ou talvez não, a banda portuense começou a ter um som mais directo, mais rock, mas nunca perdendo a qualidade musical e, especialmente, lírica, que sempre a pautou desde o início da carreira.
Psicopátria, último disco da banda na década 80, marca essa passagem para um som mais pop, mas é na nova década que se iniciava que o som da banda ganha uma camada extra de qualidade. Rock in Rio Douro, de 1992, é, sem dúvida, o pico, tanto criativo, como de visibilidade e retorno financeiro dos GNR.
Apenas nove músicas compõem o LP da banda, mas são todas de tamanha qualidade que teríamos de falar de todas individualmente de modo a fazer-lhes justiça. O seu primeiro single, “Sangue Oculto”, em dueto com Javier Andreu, da banda espanhola La Frontera, foi um sucesso imediato. A quantidade de vezes que o seu teledisco passou no já extinto Top+ e nas várias rádios nacionais poderia ter levado a música à exaustão, mas não há como não bater o pé e cantarolar ao som desse duelo ibérico, mesmo mais de 25 anos após a sua edição. Este era, como se disse, um novo som, mais rock, mais acutilante, mais próximo do que estava a acontecer no panorama internacional, mas a sensibilidade pop e a o constante jogo de palavras utilizado com mestria por Reininho, nota-se logo na soberba “Quando o Telefone Pecca” ou em “Acorda”.
Após o dueto ibérico, Reininho volta-se para as nossas raízes e canta, ao piano, com Isabel Silvestre, o tema “Pronúncia do Norte”. Uma ode à sua região e uma das músicas mais bonitas de toda a sua carreira. Acabaria por ser utilizada pela claque Super Dragões com letra adulterada em forma de ataque aos rivais do sul e para glória do Norte.
Futebóis à parte, pois o que aqui interessa é a grande qualidade deste disco que poderia, perfeitamente, ser uma espécie de “Best Of” de qualquer banda, pois se à quarta música já estávamos rendidos, o que dizer quando entra em cena “Ana Lee” e “Sub-16”, que abrem o lado B do velhinho vinil? A primeira, música ligeira e maioritariamente acústica, realça toda a qualidade de Reininho em jogar com as palavras, dando-nos um imaginário surrealista ao estilo de Lewis Carroll. Já “Sub-16” como que agarrava aquela nova geração que começava a ouvir Nirvana, Pearl Jam, a ir a concertos de estádio, a entrar em lutas estudantis, a ter os seus primeiros desamores. Um clássico instantâneo!
Em “Que Importa?” Rui Reininho faz uma crítica subtil aos que preferiam músicas cantadas em inglês (“Só gosto do que é importado…”), para logo fazer uma cover em português de “Homem Mau”, original de Paul Rodgers e Andy Fraser, dos Free, ganhando o direito de a cantar como se fossem os próprios GNR a criar este clássico.
O disco fecha com “Toxicidade” (a versão em CD continha ainda a versão inteiramente portuguesa de “Sangue Oculto”), uma faixa que tem na sua melodia elementos muito próprios do fim dos anos 80 e início dos 90. A guitarra cheia de efeitos acompanhada de teclados que enchiam todos os cantos da música. Uma baladona que é impossível criar nos dias de hoje.
Com Rock in Rio Douro os GNR cometiam a proeza de encher estádios (Alvalade e Antas) e várias salas míticas nacionais, coisa inédita no nosso país. Tinham, finalmente, chegado ao merecido reconhecimento!
Com a década de 80 a promover grandes bandas, tudo parecia estar a correr bem nesse início dos anos noventa para a música portuguesa. No entanto, o “império do mal” chegou, trazendo consigo tempos negros e, a partir de uma certa altura, ficou difícil ouvir cantar-se na língua materna. O tempo de antena virava-se para as girls e boys bands e programas de música pimba. Demorou mais de uma década até que a música nacional voltasse a conseguir levantar-se, recuperando o tempo perdido. Foi uma pena a existência desse fosso temporal, uma vez que estávamos a ir tão bem…
Review: Whitesnake – Flesh & Blood (2019)
Titus Groan - Titus Groan (1970)
Esse disco eu conheci nas páginas da grande poeira Zine do jornalista Bento Araújo. Lembro que na mesma semana em que eu li sobre esta obscura banda, cujo único trabalho era, teoricamente, difícil de ser encontrado por ser de um grupo que praticamente ninguém conhecia, eu dei de cara com a versão em CD em uma lojinha igualmente obscura dentro de uma galeria no centro de Curitiba. Coincidência? Seja como for, não pensei duas vezes e comprei na hora - pois além de tudo estava com um preço bem atrativo. Comprei e ... nem escutei. Esqueci dentro da minha mochila e só coloquei para ouvir um mês depois. Tão logo me dei conta do que havia comprado, corri para a loja para ver se tinha mais discos raros como este - e descobri que o local fechou suas portas uma semana antes. Era para eu ter Titus Groan e pronto!
Vamos ao que interessa então.
O nome da banda inglesa foi tirado do personagem principal do primeiro livro da série Gormenghast de Mervyn Peake e combina com este primeiro e único trabalho da banda: um som pesado e progressivo ao mesmo tempo. Formada por Stuart Cowell (voz, guitarras, órgão, piano), Tony Priestland (sopros incluindo sax, flauta e oboé), John Lee (baixo) e Jim Toomey (bateria e percussão), fica claro logo de início que o quarteto era extremamente entrosado e sabia o que fazer com seus instrumentos - principalmente o Hammond e o inusitado oboé, um instrumento erudito nada comum até mesmo para bandas de rock progressivo da época.
E a influência jazzística logo se percebe com "It Wasn't For You", uma peça atraente e que dá as boas vindas aos ouvintes. "Hall of Bright Carvings" é maravilhosa com seus quase doze minutos de mudanças rítmicas, solos de oboé e peso - tudo na medida certa. Em vários momentos quem dá as cartas é John Lee, mostrando que assumir as quatro cordas de uma banda é para quem sabe dedilhar com técnica e sentimentos. Uma canção progressiva ao extremo, com momentos relaxantes, partes com ares medievais e trechos mais nervosos. A maior canção do disco é, arrisco aqui, a melhor de todo o trabalho.
A suavidade de "I Can't Change" só é possível pela flauta rápida e deslizante que marca presença logo no começo e que segue por toda a canção sentimental e climática. Do nada a melodia se torna dissonante, complexa e intrincada - bem ao estilo que agrada aos fãs de outra grande banda, o Gentle Giant. Depois deste momento de loucura, o grupo regressa com um estilo mais pop e a canção segue variando até o seu final. E enquanto toda essas variações correm solta a flauta de Cowell fluindo por trás da parede sonora. Genial é pouco!
"It's All Up With Us" é a balada do disco e traz um clima calcado nos anos 1960, comandada brilhantemente pelas linhas de baixo e pelo sax inspirado de Cowell - que , aliás, também faz um solo de guitarra daqueles na medida. Outra pérola que fica grudada na cabeça de quem a escuta.
O disco termina com um festival de bom gosto na pesada "Fuschia". Guitarras de tudo que é tipo, incluindo wha-wha, flautas disputando pau a pau com a distorção da seis cordas, percussão e bateria certeiras ajudam a compor este cenário musical fantástico, com solos melódicos e emblemáticos.
Este foi infelizmente o único álbum do Titus Groan, que acabou não indo adiante após shows desastrosos em termos de infraestrutura, frutos de uma péssima divulgação de seu trabalho à época pela gravadora. Porém existem reedições deste disco que trazem como bônus três canções que a banda lançou como single ("Liverpool", "Woman of the World" e uma composição de Bob Dylan conhecida como "Open the Door, Richard", que aqui virou "Open the Door, Homer"), igualmente bacanas de se ouvir e que servem de testemunho do que o Titus Groan poderia fazer se tivesse sido tratado de maneira mais séria e profissional pela gravadora Dawn Records e pela produtora de shows da época, a Red Bus Company.
Se tivesse que escolher apenas uma música deste disco? Eu não teria dúvida alguma em ficar com a abertura, "It Wasn't For You". E você?
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